quinta-feira, 31 de outubro de 2024

O bolo de despacho

Antes de ir ao evento de retorno do manto, ou seja, no início de setembro, soube que um dos (dois) assessores da Assessoria Internacional do MPI tinha sido chamado pela Ministra pra trabalhar diretamente no gabinete e que o Chefe da Assessoria estava levemente desesperado com o volume de trabalho e a falta de gente pra ir nas COPs, fazer articulação etc. Me ofereci, ele ficou feliz, mas pediu que eu acertasse com o meu chefe.

No mesmo dia, desci, conversei com o meu chefe imediato, o diretor do departamento, e com a coordenadora de políticas linguísticas (com quem eu tenho feito a dobradinha aqui no MPI) na mesa redonda sobre a minha decisão de sair da SEART e ir pra ASSINT. Eles entenderam e avisaram que o processo tinha que ser formalizado por quem me requisita (ASSINT).

Subi de novo e informei que precisava abrir um processo SEI solicitando a minha movimentação. Dei meus dados e esperei. Mas o chefe da assessoria internacional tava com tanta coisa pra fazer, que o tal do ofício de lá pra cá só saiu na primeira semana de outubro. O secretário da SEART se surpreendeu e quis chamar para uma conversa, anunciando que com a licença maternidade da secretária que ele substituía, a gestão da SEART mudaria. Expliquei que a assessoria internacional me interessava mesmo. O processo tramitou com agilidade nos dois dias seguintes: eu manifestei interesse em mudar para a ASSINT, meu chefe manifestou anuência, mas o processo não saiu da caixa da SEART.

Meu chefe imediato entrou em férias e foi determinado (o secretário combinou com o chefe de gabinete) que eu ficaria até o homem voltar das férias, no fim do mês, pra não desfalcar o departamento. Fiquei muito brava, conversei com o secretário e a dificuldade de encontrar pessoas qualificadas para assumir o meu cargo de assistente foi colocado. Ficando por mais duas semanas, ele ganharia tempo para encontrar alguém.

Uma semana depois, fui informada que estava liberada e que o processo tinha sido despachado para o setor de pessoal. O processo voltou a tramitar, mas parou na Secretaria Executiva. Subi, fui falar com o assessor a quem o processo estava atribuído. Ele explicou que só precisava sentar com o Secretário Executivo pra fechar e que havia uma lista de movimentações no MPI que precisavam do aval dele. Enquanto conversávamos, o telefone dele tocou e alguém informou que o despacho com o Secretário Executivo tinha sido cancelado.

Entendi que eu precisava fazer algum ritual pra sair da SEART e ir pra ASSINT. Estava anunciado pra hoje o Café SEART, para o qual cada um contribui com alguma coisa. Fiz um bolo de chocolate com damasco e nozes. Assim que cheguei com o bolo de manhã, avisei que era o bolo da despedida. Depois anunciei na roda que eu esperava que assim que o bolo fosse todo comido, se destravasse o processo SEI e que eu pudesse assumir outra pauta. O pessoal, solidário, ajudou a acabar com o "bolo do despacho" rapidinho.

Quando meu chefe veio e apertou a minha mão, quebrou o meu anel de tucum. Eu entendi como um sinal. 

Por enquanto o meu ritual ainda não teve efeito. Mas hoje é dias das bruxas!

terça-feira, 29 de outubro de 2024

Escrever entrevistas

A primeira vez que me deparei com questões existenciais nas entrevistas foi quando entrevistei Arika Okrent e Kory Stamper e depois traduzi e transcrevi tudo pra ser publicado na CadLin como duas entrevistas separadas (Arika Okrent aqui e Kory Stamper aqui). 

Eu era a entrevistadora, mas essa figura não constava no hall de colaboradores que a revista usava, a taxonomia CRediT. Escrever a entrevista não significa transcrever, ou seja, ouvir e escrever as palavras ouvidas, porque na conversa face-a-face muitos acordos comunicativos são fechados através de gestos, olhares, risos e outras coisas que não se escreve. Escrever uma entrevista então é um compromisso entre anotar o que foi dito e preencher vazios aos quais o leitor, em outro tempo, não tem acesso. Cheguei a ler o livro do Alberto Lins Caldas (Nas águas do texto) pra confirmar que escrever entrevistas envolvia um ato criativo.

Eu não queria ser a única autora da entrevista, meu nome não precisava aparecer em primeiro lugar, mas pô, na taxonomia, quem tinha ESCRITO a entrevista era eu - elas falaram.

A segunda vez que me deparei com questões existenciais nas entrevistas foi agora, mas dessa vez com o foco na verdade. Quando eu estava no RS, o arqueólogo em exercício na SEART e uma representante da Sociedade Brasileira de Arqueologia entrevistaram quatro membros do GT de repatriação de artefatos indígenas situados em museus no exterior (Eliel, Julia, Karkaju e eu) sobre o processo de restituição do manto. Eles queriam entender qual tinha sido o papel do MPI - que quase não apareceu na mídia em relação ao manto tupinambá - nesse processo de repatriação.

A primeira data e horário marcados pra essa entrevista online não foi possível pra mim, então mudaram a data e horário e me senti importante. Fomos orientados a responder as perguntas um por vez, pra facilitar a transcrição. O Teams, a plataforma que usamos pra fazer a reunião online, grava e transcreve a fala - mas do jeito dela. Karkaju, por exemplo, foi transcrito como Carcaju, Carajá e Caixeta. Outro nome que saiu irreconhecível foi Amotara, que a máquina transcreveu como Mota Ramos. Universidade Indígena ficou anotado como Universidade de Jena. Isso não surpreende. A máquina não sabe os nomes das pessoas.


Mas o entrevistador, colega de MPI, deveria ler o que a máquina escreveu. Quando ele nos enviou "a entrevista pronta", identifiquei problemas com vírgulas, crases, frases soltas, nomes, afirmações do tipo que o GT do MPI conduziu o processo de repatriação do manto tupinambá, falhas na transcrição (Eliel dizia: os tupinambá vieram aqui no MPI pra reivindicar o retorno do manto. Ficou escrito: nós no MPI reivindicamos o retorno do manto). Por fim, reparei que as referências à Lou eram apagadas, além de que todos tinham o seu cargo de diretor, coordenador geral e coordenador ao lado do nome, ao passo que a Lou era só linguista. Meu cargo de assistente não me paga muito dinheiro, mas é um cargo.

Passei dois dias ouvindo a gravação e reescrevendo a entrevista que "tava pronta". O que mais me indignou foi a falta de familiaridade com o gênero entrevista e o descompromisso com o que os entrevistados falaram (em favor do que a máquina transcreveu). Dessa vez, eu fui uma das pessoas entrevistadas, mas quem escreveu a versão final fui eu - de novo.

domingo, 20 de outubro de 2024

Cinamomos e sapucaias

Pequena expedição fotográfica no Eixão.

Avistei um cinamomo no meio-fio da L2 e hoje eu levei Agnes lá pra coletar sementes, tirar foto, quem sabe sentir o cheiro das flores.

A missão seguinte era fotografar as sapucaias que já estão mudando de cor.

Eu queria ver as flores mais de perto e só achamos algumas no chão. Os ouriços já estão vazios.

Agnes animou com as cascas de cigarras e fez algumas instalações.

segunda-feira, 14 de outubro de 2024

Usufruto de horas acumuladas

Luis foi um dia antes. Agnes e eu fomos no sábado, depois da jornada de trabalho/escola na sexta. O avião que nos levaria a Campinas foi pego por uma tempestade e atrasou. Agnes abriu a mochila, tirou um livro (havia um livro dentro da mochila dela!) e começou a ler.

Em Campinas, visitamos o irmão do Luis e depois fomos pra Barão. Agnes lembrou dos dois tocos em que já fez pose algumas vezes.

Depois do caldo de cana, levei o pessoal no observatório da Unicamp. Eu tinha boas memórias de lá (nos anos 2000 e pouco, não havia estrutura lá, era só um lugar alto que chamávamos de observatório), mas o lugar está totalmente diferente agora. Se divertiram, vimos o pôr-do-sol e seguimos.
Acostumada com museus de ciência, Agnes nos guiou pelos equipamentos dispostos lá, no museu a céu aberto.
No dia seguinte, logo de manhã, fomos no Bosque a pé. Achei um barato a disposição dos insetos nos painéis e me dei conta da curadoria por trás da exposição.

Agnes também curtiu a disposição dos insetos. É uma forma peculiar de exposição: intuitiva e que dialoga com as crianças.
No último dia, teve sorvete na Sergel (acho que me arrependi, porque no domingo é lotado e virou esquema self-service) e volta no Taquaral. Estou aprendendo a lidar com o meu banco de horas. Não trabalhar na segunda-feira foi muito massa!

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

A tão esperada chuva e os indexicais

Semana passada, eu ouvi o relato da Altaci de que a amiga dela estava tomando chuva na Asa Norte.

No mesmo dia, Agnes disse que viu alguns pinguinhos de meio centímetro de chuva na escola.

Ontem de tarde eu vi a chuva caindo.

De noite, o vento ficou batendo na janela e o ar ficou frio na madrugada. Não vi com os meus olhos, mas concluo que tenha chovido.

Hoje de manhã, a terra estava molhada, as folhas verdes das árvores estavam num verde vibrante em contraste com os galhos mais escuros (provavelmente molhados) e o carro estava molhado. Com base nesses vestígios, concluo que tenha chovido.

Em algumas línguas, todo esse monte de informação sobre como eu sei que choveu (alguém me disse que outro disse que, alguém me disse que, eu vi que, tenho boas razões para acreditar que) vem codificado no verbo. Em português, só informamos no verbo a pessoa (no caso da chuva, terceira pessoa do singular) e o modo-tempo (pretérito perfeito, indicativo: choveu). Nas línguas em que o verbo codifica indexicais, as pessoas mostram como a informação chegou a elas. Assim percebemos - na língua - o compromisso do povo com "a verdade" (eu estou dizendo x porque eu vi, então é verdade; estou dizendo x porque tenho pistas, mas posso estar enganado; estou dizendo x porque me disseram e se a informação não for verdadeira, não sou a fonte primária).

A chuva chegou num processo demorado e muito aguardado. A última chuva (antes dessas de agora) que tinha caído (usei o mais-que-perfeito de propósito, pra mostrar que o último evento da chuva está bem distante do momento de agora) em Brasília foi em abril de 2024 (ó!). As primeiras águas que caíram foram tão poucas e distantes, que nem dava pra acreditar. Mas depois eu vi a chuva caindo, ufa! Pode acreditar, choveu em Brasília.

sábado, 5 de outubro de 2024

Inferência

Julia e Nathaly estavam conversando comigo sobre banco de horas, quando Julia lateralmente comentou a franja dela na foto de perfil:

- Ai, essa minha franja - disse Julia

- Eu sei, amiga, a minha foto também ficou horrível - comentou Nathaly.

Julia protestou: 

- Eu não disse que a foto tá feia!

Mas foi o que Nathaly entendeu e foi o que todo mundo entendeu, mesmo quem nem viu a foto da Julia.


terça-feira, 1 de outubro de 2024

Recadastramento

Eu tinha algumas horas acumuladas no meu banco de horas. A viagem que eu teria feito em maio, aproveitando o feriado de Corpus Christi, foi cancelada devido às fortes chuvas que devastaram o Rio Grande do Sul. Consegui passagem pagável agora, mas por Caxias - o que envolvia longas viagens pela Serra Gaúcha.

Depois de uma breve estadia em Gramado, na minha tia Ruth, desci a Estância Velha, onde Harro está. Tentei fazer o reconhecimento facial com ele pro INSS. É chato olhar fixamente pra câmera, aproximar e sentir a vista embaçando. Harro não conseguiu ficar 3 segundos parado olhando fixamente para a câmera. Olhava pra mim, se espantava com a sua aparência, reclamava, balançava a cabeça. Passei a manhã toda experimentando diferentes estratégias, todas falharam. 

Com a pouca bateria de celular que me restava, fiz a Waze me levar no CRAS e lá, meia hora antes do fim de expediente, as senhoras me instruíram levar o Harro lá na manhã seguinte para o recadastramento. Continua faltando o reconhecimento facial pelo INSS, mas hoje de manhã conseguimos entrar e sair do carro, caminhar por uma calçada irregular, assinar dois documentos que servem como prova de vida com caligrafia limpa e compreensível e assim atualizar o cadastro no CadÚnico.