terça-feira, 21 de maio de 2024

Literatura Indígena com muitas aspas

Chegou ao MPI uma proposta de distribuir livros supostamente de literatura indígena para crianças no intuito de salvar o planeta. Como as versões digitais estavam baratinhas, baixei pra ver qual é a desses livros.


Como se pode ver pelas capas dos livros (supostamente "literatura indígena"), não se trata de projetos de autoria indígena. Todas as capas seguem o mesmo padrão de desenho, ou seja, a identidade cultural de cada povo é atropelada por uma estética padronizante de como são os tupinambás, tupinikins, tikuna etc. 

A Editora Nova Leitura não dá créditos aos autores dos livros - a quem fez a pesquisa, buscou e organizou os conhecimentos acerca desses povos, quem tentou rimar o texto. Igualmente não há créditos para o/a ilustrador(a) que por vezes tem seus desenhos repetidos no mesmo livro. 



Em suma, a Editora Nova Leitura - que não possui site ou endereço - não apresenta literatura indígena, mas livros sem qualquer autoria que apresentam uma certa visão sobre os indígenas (vivem em harmonia, caçam, pescam, usam arco e flecha). No livro sobre os yanomamis, por exemplo, a pintura corporal é descrita como preta ou vermelha, mas não há menção aos materiais usados para fazer a pintura corporal. O olhar externo do não indígena registra as cores, mas não conhece o processo de produção. 

Os indígenas são descritos como protetores da floresta, respeitosos com a natureza e cultivadores de uma relação muito próxima com os animais - mas não é explicado como eles protegem a floresta, como respeitam a natureza (o conceito de natureza diferente do homem é fruto da visão ocidental que instrumentaliza os recursos naturais) e como se relacionam com os animais. O choque cultural entre o capitalismo que naturaliza a extração de recursos, que aposta na competição entre indivíduos, que usa os animais como mediadores (pets, grande parte da produção cultural para crianças é ancorada em animais falantes que se comportam como cachorros - amigos naturais do homem) e cada uma das culturas indígenas não é exposto: os indígenas pasteurizados se encaixam no padrão capitalista, na visão não indígena que é superficial. 

Em plena crise yanomami, o livro sobre os yanomamis, p. 10, postula que "sua alimentação é saborosa e variada, para uma dieta saudável e reforçada". Os yanomamis se reconheceriam nesse livro? No livro, todos vivem em harmonia, caçam, pescam e fazem artesanato - como se não lutassem pela demarcação de seus territórios, como se as fronteiras de seus territórios não fossem constantemente invadidas por empreendimentos transnacionais, garimpeiros, madeireiros, posseiros, grileiros, fazendeiros, como se as taxas de suicídio entre jovens não fossem aterrorizantes.


No livro sobre os tupinambás, há, na p. 4, um mapa em que famílias linguísticas (jê, tupi-guarani, pano, aruak) são mostradas como se fossem etnias (tupinambá, tupiniquim, potiguara). O território tupinambá - até hoje em disputa e sem a devida demarcação - é mostrado nesse mapa como sendo no Norte do Brasil, no Pará. E a mesma cor verde usada para marcar o território tupinambá no Pará é usada para determinar o território tupiniquim entre Recife e Aracaju. Essas imprecisões conflitam com o mapa mostrado na página seguinte, na p. 5, em que os tupinambá são alocados na Bahia - e não no Pará - mais especificamente em Olivença. Os mapas não são referenciados - não se sabe de onde essas informações foram retiradas. A realidade de Olivença, em que há mais de 20 caciques (homens e mulheres), não é retratada no livro quando se afirma, na p. 20, que que há apenas 1 cacique (homem) no povo tupinambá. Ainda no livro sobre os tupinambás, a confecção de mantos em arte plumária vermelha aparece como corriqueira nas p. 6, 12 e 13.

Toda a identidade do povo tupinambá - que somente foi reconhecido pela FUNAI em 2001, depois que a
liderança Amotara reconheceu, em 2000, o manto exposto em São Paulo pela Mostra do Redescobrimento em comemoração aos 500 anos - está relacionada ao manto, mas não porque produzem mantos cotidianamente. Os mantos confeccionados antes do/e durante o período colonial eram usados em rituais de canibalismo (que não é mencionado no livro). Os tupinambás se reconheceriam nesse livro? Percebe-se uma romantização dos povos originários, um apagamento de sua história e espelhamento da identidade na identidade ocidental branca. Para os tupinambá, esse livro pode ser considerado uma ofensa.

Na ficha catalográfica de todos os livros da editora consta a cidade (Barueri), a editora (Nova Leitura), o ISBN e ano - mas não tem nome de nenhuma pessoa responsável. Fico imaginando se foi o estagiário da editora que fez os livros ou se foi o Chat GPT mesmo.

quarta-feira, 15 de maio de 2024

Dibujos

Começou hoje o curso oferecido pela Sala Tatuí de desenho com o Troche, autor de Desenhos invisíveis, Bagagem e Lumbre.

Achei muito massa a história de vida dele: a mãe era palhaça, o pai poeta e a família teve espetáculos censurados no Uruguay depois do Golpe Militar. Exilaram-se na Argentina, que também teve Golpe, foram para a França. A mãe, acostumada com teatro de rua, não falava francês. O pai passou a escrever os roteiros dos sketches mudos - mas cômicos - que ela apresentava. Não havia voz, palavras ou recursos, mas havia a relação de um personagem com um objeto.

Com a redemocratização, retornaram ao Uruguay. Troche, desenraizado, fez da folha de papel a sua casa e passou a desenhar personagens se relacionando com um objeto. O primeiro foi a lanterna.

Nos pediu um exercício de desenhar um personagem e um objeto. Eu escolhi o livro.

Entramos no universo das palavras, da trama, dos personagens quando o livro nos pega.
Não lemos um só livro, mas vários: um depois do outro.
Montamos bibliotecas e selecionamos quais autores podem ficar ao lado de quais outros autores.


O exercício para a semana que vem é relacionar esse objeto escolhido a uma estrela. 

Agnes ficou profundamente triste por não poder mostrar os desenhos dela, mas eu mostro aqui.




terça-feira, 14 de maio de 2024

Condecoração de Ailton Krenak

Felipe Milanez tinha vindo de Salvador pra esse evento de condecoração do Ailton Krenak na Embaixada da França no dia 13. Eu perguntei na Assessoria Internacional do MPI quem ia nesse evento da noite e como só tinha um representante do Ministério, pedi que o meu nome fosse incluído na lista. De tarde veio a confirmação de que o meu nome estava na lista da Embaixada. Tinha uma questão de logística: busquei a Agnes na escola, fomos até uma padaria onde estavam Luis, Brent e Felipe, deixei a Agnes com o pai e Felipe e eu fomos na Embaixada da França.

Eu nunca tinha visto o Krenak pessoalmente e gostei de ouvir suas palavras serenas e sonoras. Não conseguimos chegar perto dele, porque os pedidos de foto e autógrafo eram tantos. Mas eu conheci um tantão de gente: Terri Aquino, Henyo Trindade, Manuel Andrade, a filha do Ailton, Noua Krenak e o estilista Mauricio Duarte, o médico do Ailton! Achei bacana transitar por tantas referências e ter o retorno das referências bibliográficas sobre o Luis: ah, o Novoa!

domingo, 12 de maio de 2024

Almoço de domingo

 

Luis tinha convidado o (Reverson) Pantaleão prum carneiro assado no domingo. Felipe Milanez disse que estaria em Brasília no domingo porque participaria de homenagem a Ailton Krenak pela Embaixada Francesa no dia 13. Chamei pro almoço e chamamos também o Alexandre Falcão, que veio mais ou menos na mesma época que nós viemos da UNIR pra Brasília, mas que a gente só tinha encontrado por acaso num espetáculo de teatro.

Esse foi o primeiro almoço que Luis e eu oferecemos em Brasília, nesse apartamento apertado, com esse banheiro minúsculo. Sentimos o limite do espaço, mas as conversas nos levaram pra tantos lugares...