De repente todos os ipês amarelos decidiram florir juntos.
sábado, 26 de agosto de 2023
domingo, 20 de agosto de 2023
... e ponto final?
Saiu o podcast em que Renato Basso e Yan Masetto me entrevistaram sobre os sinais de pontuação.
Dá pra ouvir aqui.
quinta-feira, 17 de agosto de 2023
Reflorestar mentes
O Ministério dos Povos Indígenas trabalha com três conceitos-chave: aldear o Estado, reflorestar mentes e bem viver. Os indígenas que vêm dos movimentos têm clareza a respeito desses conceitos.
Para Joenia Wapichana, um exemplo de iniciativa de aldear o Estado é levar urnas eletrônicas para as aldeias, de modo que os indígenas no território não precisem viajar para participar do processo eleitoral. Esse é um exemplo apenas de trazer o Estado pra aldeia.
Reflorestar mentes tem a ver com mudança de paradigma. Como o MPI pode semear, nas mentes e corações do povo brasileiro, modos de vida coletiva, integração com todos os seres -vegetais, animais, espirituais - vivos ou não.
O meu chefe nos deu a tarefa de definir bem viver. O que a professora faz? Procura fontes, lê livros, acompanha entrevistas, faz anotações e sistematiza a informação num texto. O texto sobre bem viver que enviei ao meu chefe foi o seguinte:
Como lembra Ailton Krenak, “bem viver” é um conceito elaborado pelos povos andinos (quéchua, que usam o termo sumak kawsai) que foi traduzido para o espanhol como buen vivir (no Equador) e vivir bien (na Bolívia) e adotado no Brasil como bem viver. O conceito está ainda em construção porque é interpretado de diferentes maneiras por povos diversos. Importante destacar que, sendo de origem latino-americana, reflete experiências emancipatórias e descolonizadoras pelo direito a uma vida digna. Mas o conceito também está em disputa, porque a economia verde tem usado o termo como usou "sustentável".
Bem viver é principalmente um contradiscurso que vincula desenvolvimento a crescimento econômico e ideologia de progresso, se opondo às práticas capitalistas de apropriação, consumo e destruição. Neodesenvolvimentismo, neoextrativismo, financeirização da Natureza e economia verde são categorias do capital que não dialogam com a ética da suficiência. Bem viver não significa viver melhor (que envolve competividade, individualismo), mas mudar padrões de produção e consumo. A proposta do bem viver é deslocar o foco no antropocentrismo para o sociobiocentrismo. Se o ser humano tem uma relação parasitária com a Natureza, é preciso aprender a criar uma relação simbiótica, em que todos se beneficiam da relação.
Alberto Acosta é um dos mais ativos proponentes do conceito, apontando para a íntima relação entre a crise econômico-financeira e a crise ambiental. Para o equatoriano, a primeira urgência é interromper o desflorestamento. Aprender com a Natureza e reconhecer que as relações com os outros seres precisam ser recíprocas é o contrário do ciclo de exploração capitalista que transforma tudo e todos em mercadoria.
Visto que não somos os únicos seres dotados de consciência, a proposta do bem viver é fundir Natureza com Cultura, proporcionando a convivência com todos os seres, de forma equilibrada e que garanta vida digna a todos os seres. Bem viver é para todos, não só para os humanos ou elites econômicas.
Para implementar a filosofia do bem viver, é preciso investir em relações de produção autônomas, renováveis e autossuficientes. A ética da suficiência embasa relações comunitárias e vida coletiva: o desperdício e excesso não fazem parte do plano de garantir um futuro digno para gerações vindouras.
Através do conceito de plurinacionalidade é possível conceder autonomias territoriais – a Bolívia inclui tanto bem viver como plurinacionalidade em sua Constituição. Como alerta Silvia Rivera, não basta estar escrito no documento, é preciso respeitar de fato a diversidade dos povos. Bem viver é um exercício de integração com a diversidade, é escutar a polifonia, é defender o direito igualitário.
Meu chefe recebeu diversas respostas, sendo a maioria pessoal (para mim, bem viver é...) e do tamanho de no máximo 4 linhas. A minha destoava no teor e extensão e ainda por cima surpreendia: contra o capitalismo... você quer fazer a revolução?
Reflorestar mentes começa pelos servidores...
terça-feira, 8 de agosto de 2023
Ainda nos instalando
Eu cheguei em Brasília um dia depois que o caminhão de mudança tinha chegado de Porto Velho. Meu voo chegou às 6h (da manhã) e às 8h começou a função de carregar as coisas pro novo apartamento. Eu só não fui direto do aeroporto pro apartamento vazio porque Agnes e Luis ainda estavam no Centro Estigmatino e estávamos com saudades recíprocas.
Ainda não conseguimos abrir todas as caixas por falta de tempo. Luis esteve em Belém pra Cúpula da Amazônia, e eu, na função de levar Agnes pra escola, ir pro trabalho, buscar a menina no fim da tarde e ainda cozinhar de noite não permitiu grandes avanços. Teremos que providenciar mais estantes de livros, porque nem todas vieram na mudança (ou porque eram muito frágeis ou porque extrapolava a metragem do caminhão).
No Ministério, ainda não sei bem qual é o meu trabalho. Os membros da equipe a que pertenço estão todos em salas diferentes, então a gente só se vê em reunião, corredor ou quando alguém pede ajuda. As ajudas são de diversas ordens, mas até o momento todas envolvem texto: interpretação, escrita, leitura, sistematização de informação.
Os copeiros (que trazem o copo às 8h enchem o copo com água às 10h30 e oferecem café ou chá e depois retornam às 14h30 com água, café ou chá) têm personalidade marcante, comentam o que pedimos e vão adivinhando nossas preferências. Eu estou instalada numa sala dominada pelo pessoal da gestão, então os papos são valores, processos SEI, senha, liberação e bens tipo microondas no gabinete. Todos usam colares, anéis e pulseiras indígenas. Eu estou ressuscitando os meus adornos.
No segundo dia de aula da Agnes na escola pública, ela teve uma desavença com a professora. Teve bilhete na agenda e ida pra diretoria porque Agnes desafiou a professora. No dia seguinte teve jogo da seleção e a manhã foi cancelada. Nesse dia, veio mensagem da Escola da Árvore de que havia surgido uma vaga no 1. ano Fundamental. Essa escola fica numa chácara na zona rural do Lago Norte (moramos na asa sul) e o acesso é por estrada de terra (muita poeira agora que a umidade relativa do ar está na casa dos 10%). Fora a viagem e o valor exorbitante, a escola tem uma proposta muito bacana de bem-viver.Hoje o meu diretor me pediu que eu escrevesse um texto definindo esse conceito que foi trazido do quéchua e, pelas traduções (buen vivir, vivir bien) e adaptações (bem-viver, vida boa), está em construção. Tive que pedir referências bibliográficas pro Luis, mas consegui. Fora a parte do pagamento de mensalidade, a escola procura a integração com a natureza, o exercício da reciprocidade, a ética da suficiência. Mas a relação com o capitalismo é inescapável. A escola tem um grupo de whats de desapegos. Eu tinha entendido que era pras pessoas trocarem coisas que ficaram pequenas ou fora de lugar, mas reparei que (i) é um grupo muito ativo que enche a biblioteca de imagens do meu celular de fotos de objetos alheios, (ii) que as coisas vêm com preço e (iii) que as justificativas são também coisas do tipo comprei 2, mas só precisava de 1. As crianças aprendem a exercer o bem-viver enquanto os pais administram a cultura do excesso.
quarta-feira, 2 de agosto de 2023
Vintage tem não
Passei uma semana em Porto Velho ocupada com a mudança e encerramento do aluguel do apartamento em que moramos 4 anos. Não coube tudo no caminhão de mudança, então precisei distribuir muitos móveis e objetos. Tentei vender algumas coisas, outras foram de grátis porque tenham um valor (emocional, artesanal) tão alto, que ninguém compraria.
Levei o meu Mac sucata (o segundo de 2011, cuja bateria morreu) que ficou sem o cabo porque o pessoal da mudança jogou o cabo numa caixa, mas deixou o computador, e ofereci as peças. Ele não sabia quanto vale e pediu que eu sugerisse um valor. 300? Pago 250. Fechou.
Aí veio a vistoria de saída do apartamento. O vistoriador testou todas as lâmpadas (mas quando entramos no apartamento, não havia energia pra constatar que 7 lâmpadas estavam queimadas ou ausentes, que o chuveiro 110 estava ligado na rede 220 e causando curto), abriu e filmou todas as torneiras pra comprovar que não havia vazamentos (mas quando pedimos pra proprietária trocar as torneiras, ela disse que podíamos levar as nossas quando saíssemos), abriu todas as portas e gavetas, fotografou todas as janelas.
O laudo de vistoria pedia pra eu repor aquela decoração que cobre a lâmpada, mas a lâmpada era do tipo que tem um reator - que não se fabrica mais, então eu não acharia uma lâmpada chata e redonda o suficiente pra colocar o vidro decorativo em cima. Pedia pra trocar maçaneta e fechadura de porta - que não existe mais também. Rodei várias lojas de porta e uma loja só de fechaduras pra ouvir que não existe mais fechadura desse tamanho faz uns 30 anos. Achei uma menor, mas com furação compatível que eu mesma instalei com a minha chave philips. O laudo pedia a substituição dos tampos de vaso - adivinha? que não existem mais naquele material que racha e quebra com o tempo (3 assentos quebrados!) e cuja furação na cerâmica não é compatível com qualquer assento disponível no mercado. O laudo pedia a colocação de pastilhas de vidro na parede do chuveiro (caíram 24) - que saíram de linha há 2 anos.
O esposo da proprietária entendeu que o tempo passou e que consertar essas coisas implica em mudanças mais drásticas (trocar os vasos sanitários, trocar o azulejo do chuveiro etc.), mas a proprietária pediu que o pintor colocasse tinta sulvinil no orçamento de pintura. As paredes não estão vestindo a tinta mais cara do mercado. A agente imobiliária pediu um segundo orçamento e a discrepância entre os dois orçamentos é de quase 3 mil reais.
Nos primeiros quatro dias, passei a maior parte do tempo no apartamento: distribuindo coisas, chamando eletricista, chaveiro, vidraceiro; apertando parafusos. Depois eu fui na Heloisa. Teve um dia que ela foi buscar o som (minissistem, olha o nome do 3 em 1) que ela tinha mandado pra conserto, mas que não foi consertado porque o homem não achou a peça do leitor de CD. Tinha datashow, caixa de som e outros equipamentos antigos no pacote. O cara que não consertou indicou outro. Fomos lá, mas acabamos encontrando um consertador de TV. Ele mesmo conserta TV, mas quer comprar um projetor bom, porque as TVs de hoje em dia estão durando 2 ou 3 anos. Deu conselhos pra Heloisa de como consertar as coisas vintage dela: vá pra São Paulo de carro. Na Santa Ifigênia, na parte de cima, cê vai achar quem tem as peças que os seus objetos precisam. Ninguém mais conserta som.
Curioso que ao me desligar de Porto Velho e da profissão de professora, eu tenha passado por tantos objetos do passado que não tem mais como recuperar.