"Todos los escritores son ciegos - en sentido alegórico a la Kafka -, no pueden ver sus manuscritos. Necesitan la mirada de otro. [...] No hay forma de leer los proprios textos sino es bajo los ojos de otro." (Piglia, 2017, p. 63)
Lembrei dessa passagem do El último lector do Ricardo Piglia quando li o texto do Luis publicado no A Terra é redonda. Que o autor não perceba seus erros, o excesso de vírgulas que demarcam as interrupções no processo de escrita, eu entendo. Eu mesma não enxergo os meus erros quando o texto ainda está fresco, porque eu adivinho grande parte dele, não leio cada letra, uma depois da outra. Por isso o revisor, a outra pessoa - que não conhece o texto - tem melhores condições de corrigir o texto. Ou o próprio autor, muito tempo depois, quando ele não lembrar mais do que escreveu e tudo for novidade.
Se o autor é cego, às vezes o leitor nem percebe que lê erros. Porque projetamos tanto quanto vemos. Apreendemos o significado de blocos de letras sem decodificar letra após letra. Quando li o texto publicado, identifiquei alguns erros que tanto o autor como a revisora (eu) como o editor do blog deixaram passar. O pior é que não dei pela falta do "cu" em "cirlação".
*
Damián ligou dizendo que estava na UPA, que tinha sofrido um acidente e que uma mulher tinha passado por cima da bicicleta dele. No caminho, fiquei pensando que estar na UPA (e não no João Paulo, hospital para onde levam vítimas de acidente) era até bom sinal. Fui entrando pelas portas, corredores e encontrei o Damián num leito. Estava com a blusa toda ensanguentada, a cara manchada de sangue seco. Ele sentou na cama (maca?) e contou o que tinha acontecido.
Uma mulher fez a curva pra entrar na BR olhando pra trás. Colidiu com a bicicleta do Damián que trafegava pelo acostamento. Ele girou por cima do carro dela e caiu de costas no chão e depois bateu a cabeça.
Provavelmente a mulher olhou pra trás porque achou que não precisava verificar se a estrada estava mesmo à sua frente. Ela confiou na estrutura viária, projetou uma via livre. Os garis que trabalhavam ali perto e foram acudir o Damián e ficaram com ele até a ambulância chegar contaram que viram o ciclista dando uma volta completa por cima do carro. Se espantaram que ele não tivesse desmaiado.
Damián disse que perdeu muito sangue pela boca e nariz, que levou sete pontos na cabeça. Quando eu vi o calombo atrás da cabeça dele, meu sangue gelou. A enfermeira me alertou que ele não queria tomar remédio pra dor. Quando ofereci de trazer ele aqui pra casa, ele explicou que ainda quer chegar no lugar pra onde ia antes de ser atropelado. Hoje tem festa de São João. Mas as costas doíam muito. Quando ele levantou a blusa, expondo as costas raladas, eu senti que era informação demais pra mim. Tive que sentar. Levantei porque a cadeira ela longe, mas senti os membros formigando, náusea, fraqueza e tontura. Ver o que ele não via em si mesmo (os ferimentos e a teimosia) baixou minha pressão. Voltei a sentar, a cadeira cedeu, deitei e fechei os olhos.
- Lou?
Trocou a enfermeira e ela quis entender a situação:
- Você tá bem?
- Sim, eu sou a visita, só baixou a minha pressão, já vai passar.
- E tu, é trauma? Não pode ficar andando, não. Quatro horas de repouso! E sem água.