Autor submete livro em editora e recebe os pareceres. Frio na barriga: será criticado. Demora a ler os pareceres, mas não consegue deixar de especular sobre o seu conteúdo. Abre o email. Baixa o arquivo. Começa a ler. Voa sobre a parte elogiosa, mas na parte das cobranças e sugestões, as letras se embaralham. O coração acelera, é difícil aceitar, concordar, entender. Mas o parecerista reservou tempo e esforço mental para o seu manuscrito. O parecerista merece uma resposta, merece ao menos o esforço de uma resposta. O autor modifica seu texto; e conforme a escrita desenrola, desenvolve, progride, o pensamento avança e o entendimento do próprio texto fica mais claro. O que era labirinto, fica pequeno.
Organizador submete livro em editora. Ele tinha um tema e muitos alunos que pesquisam assuntos que podem ser arranjados em torno desse tema. Pediu a esses alunos os seus trabalhos de conclusão de curso, escreveu uma apresentação descritiva de cada capítulo e chamou isso de coletânea. Chegam os pareceres. Um é elogioso, mas sem detalhes: parece até que o parecerista nem leu o livro. O segundo parecer é de um especialista respeitado na área, que não admite que os autores não alcancem uma visão crítica sobre o assunto de que tratam. Esse parecer é cheio de ideias, propostas e posição. Esse parecer pretende explorar mais o potencial dos autores e dos textos do que apontar falhas ou faltas. Quem recebe os dois pareceres é o organizador. Ele rumina se os alunos entenderão aquilo tudo, se serão capazes de atender às expectativas do parecerista. Pensa em escrever uma apresentação que responda ao parecerista exigente - e manter os capítulos como estão. Percebe que o resultado seria esquizofrênico. Mas os alunos precisariam amadurecer muito para chegar onde o parecerista os quer ver. Pensa: o bebê nasceu, e mesmo os pais não gostando da fisionomia, não tem como trocar os gens da criança! Informa à editora que os autores não querem nem têm condições de fazer as alterações sugeridas. Depois de ouvir sobre a função dos pareceristas, sobre a aventura da escrita, sobre o resultado do processo, decide conversar com os autores de cada capítulo. Organiza uma planilha de reuniões, iniciando pelo capítulo 1.
Autor e organizador submetem versão final à editora, aguardando imediata publicação. Revisora devolve o texto todo marcado de vermelho, cheio de perguntas e sugestões. Fez mudanças incompatíveis com os manuais de redação consagrados e explica que são normas da editora. Autor e organizador dedicam mais tempo e paciência a esse livro que deveria estar pronto desde a primeira vez que o entregaram. Já não é mais o mesmo texto. Diagramador formata o texto de acordo com o padrão dos outros livros da editora. Deixa páginas em branco. Editor pede ISBN, bibliotecário faz a ficha catalográfica e algum técnico da universidade ligado aos periódicos pede DOI. O técnico da gráfica, que reconhece a gramatura do papel ao simples toque, imprime os livros. Guilhotina, costura, cola quente, acerta a capa. A secretária contrata uma transportadora que leva os livros à editora. Editor confere se está tudo em ordem. Não está. Quando lê no papel, percebe erros que ninguém tinha captado, porque os leitores leram a palavra como um todo, não como uma sequência de letras que precisa ser lida na ordem certa. Letras trocadas na lombada, que coisa! Recado para o diagramador que acerta a ordem e manda imprimir de novo.
Enquanto autores elaboram o texto, outros atores entram em cena para confeccionar o livro. Os autores concentram sua expectativa de publicação no tempo da escrita. Os outros atores percebem o tempo do trabalho artesanal. Publicar um livro demanda tempo e atenção de muitos olhos e mãos.