A madrasta de Luis faleceu e o neto dela (sobrinho dele) ficou na casa em Cachoeiro de Itapemirim (ES), esperando pelo meu marido. Depois de lutar muito contra uma labirintite que foi sendo tratada de diferentes maneiras, Luis sentiu que estava pronto para viajar.
Cachoeiro não tem aeroporto, Vitória não tem boa conexão com Porto Velho: o jeito foi viajar pelo Rio de Janeiro. Conseguir passagem saindo de Porto Velho não foi fácil, porque há poucos voos e todos estão sempre lotados. De fato, ele se sentiu mais vulnerável no avião de Porto Velho (tanto na ida como na volta). Dormiu em hotel no Rio, seguiu de ônibus para Cachoeiro e ficou instalado na casa de Matheus (irmão da Madá, tiodrasto do Luis), porque Matheus estava passando a quarentena na casa da namorada em Vitória.
Luis passou 8 dias em viagem: esvaziando a casa do pai, doando livros, despachando livros, fósseis e pedras pelo Correio. O pai do Luis era engenheiro de minas e achou muitas pedras e fósseis durante a vida profissional.
Agnes se enchia de expectativas. Papai vai me trazer tesouros!
Nesses dias em que estive sozinha com a Agnes, vi a geladeira esvaziando. Até tentei levá-la ao supermercado de máscara, escudo facial e luvas, mas fomos barradas na porta: criança não entra no supermercado. Emprestei o carro pro Jairo (como fazemos sempre, porque a vida no sítio aumenta as distâncias) e ele fez compras pra mim. Não veio o que eu teria comprado, mas ele fez o favor de consertar o carro. Era o ventilador que estava com a correia solta, fazendo barulho de lata véia. Teve grande dificuldade de achar a peça: rodou umas 5 mecânicas depois que o primeiro tentou trocar a peça e percebeu que era de tamanho diferente. Conseguiu a peça na concessionária, mas a um valor exorbitante. Depois de correr atrás desse ventilador por dois dias, conseguiu desenrolar as coisas dele.
Nesses dias em que estive sozinha com a Agnes, não consegui sentar no computador. Nem de noite, depois de ela dormir, porque eu deitava com ela e dormia junto. Tentei acordar mais cedo que ela de manhã, mas não deu muito certo. O que eu consegui fazer foi deitar com o computador no colo ao lado dela e trabalhar em pareceres enquanto ela tirava o cochilo da tarde. De regra, ela dorme direto por uma hora. Se acordar sozinha, sai da cama. Se acordar do meu lado, mesmo que eu esteja com o computador na barriga, ela dorme por mais uma hora.
Rose, nossa empregada, foi beneficiada pelo programa de redução de jornada e do trabalho por 4 meses. Eu pagava 30% do salário, o governo o resto e ela não vinha trabalhar. Aí o programa não foi prorrogado e eu pedi a ela que viesse e limpasse a casa enquanto nós estivéssemos fora. Agnes e eu fomos passar o dia no Jairo.
Rose demorou a terminar a faxina (tudo bem, em dias de faxina eu passava o dia todo limpando a casa) e Agnes não dormia de tarde e ia ficando cansada, irritada, desatenta. Voltamos às 15h cansadas e pensando como seria a próxima vez que ela viria.
Veio a friagem. Começou com trovões, muito vento sul e chuva. Minha dor de cabeça diminuiu quando a chuva desceu. Mas o pé começou a mancar. 13 anos atrás eu quebrei o pé direito e desde então sou um barômetro (Wetterfrosch me é mais simpático). Ontem a dor no pé foi dor vermelha, de carne viva, como no tempo que passei no hospital, sem posição pra dormir.
Aí Luis voltou de viagem. Fomos ao aeroporto, buscar as malas dele (ele seguiu pro hotel). Desfiz as malas enquanto Agnes dormia e depois os dois foram percebendo as peças pelo telefone.
Com medo de ter contraído o vírus, Luis passou 4 dias no hotel em Porto Velho. Vinha pra trocar roupas sujas por roupas limpas, pra trazer compras (também não veio o que eu teria escolhido, apesar da lista) e gradativamente se aproximar. Fomos todos no Jairo na sexta-feira pra Rose limpar a casa e dessa vez
(mediante lista de instruções) deu certo de limpar a casa no tempo
combinado. Luis não apresenta nenhum sintoma até agora, apesar dos aviões de Porto Velho, da ausência de máscara nas pessoas em Cachoeiro e de todas as situações por que passou.
Viajar na pandemia é muito mais complexo que era viajar, simplesmente.