terça-feira, 30 de junho de 2020

Ainda?

- Quero ir na casa da Clarice, mamãe.
- Quem é Clarice, Agnes?
- Minha amiga.
- Amiga da escolinha?
- É...
- ...
- Ela ainda é minha amiga?

segunda-feira, 29 de junho de 2020

Pipa point

Ontem, domingo, ouvimos muitas vozes na rua. Passava carro com som alto, passava outro horas depois. Movimento atípico para um domingo de quarentena. Qual é a novidade? O vento de junho.
Nas ruas, eles corriam, conversavam, gritavam e brigavam. No alto, acompanhamos as pipas.
Da janela dá pra ver um monte de pipas presas em topos de árvores, caídas em telhados, penduradas em caixas d'água. Mas isso é hoje. Ontem de tarde elas todas voaram majestosamente.

sexta-feira, 26 de junho de 2020

Acordos

Queiroz foi preso e isso calou Bolsonaro.

Foi comemorada na mídia oficial a aprovação, no último dia 24, do novo marco regulatório do saneamento básico que abre as portas para a privatização da água.

Esse parece ser o acordo: os empresários poderão ter controle sobre um bem público que pode lhes oferecer renda infinita (porque todos precisamos de água) e Bolsonaro não cai. Pode cair o filho, Flávio, ligado diretamente ao Queiroz no caso das rachadinhas, mas Bolsonaro fica porque possibilita ao empresariado a predação.

Porto Velho teve um Plano Diretor Participativo no primeiro semestre do ano passado. A prefeitura contratou técnicos referenciados do IBAM (Instituto Brasileiro de Administração Municipal), promoveu consultas, assembleias, oficinas e audiências para chegar a um Plano Diretor avançado, que, além de planejar e organizar a cidade, protegia a margem esquerda do rio Madeira da especulação imobiliária. O prefeito percebeu que o Plano Diretor ia contra os interesses do empresariado local e decidiu ignorar o resultado de muito estudo, construção coletiva e trabalho técnico.

Ontem o Conselho da Cidade votou se o Plano Diretor de 2019 seria publicado. O empresariado local se mobilizou para nem mesmo publicar o Plano Diretor. É como se ele não existisse. Porque só interessa ao povo.

O problema não é a pessoa de Bolsonaro, mas o mercado/empresariado que conduz o esvaziamento do Estado e de regulação.

segunda-feira, 22 de junho de 2020

Moderação

Fui convidada a moderar (apresentar o palestrante, depois gerenciar eventuais perguntas) a fala do professor Enoch Aboh. Em dois dias, às 7h da manhã aqui, onde o fuso é outro.

quarta-feira, 17 de junho de 2020

Humanos

Se você perguntar para um biólogo o que nos diferencia dos outros animais, ele provavelmente vai dizer que temos o polegar opositor. Se você perguntar para um filósofo, provavelmente vai ter como resposta a razão. Se perguntar para um indígena (desculpem, não lembro a etnia), é possível que a resposta seja: eu não como carne crua, eu cozinho minha comida. Se perguntar pra Chomsky, ele vai dizer que o que nos diferencia dos outros animais é a linguagem. Se perguntar para Michael Tomasello, ele vai dizer que é nossa disposição para colaboração e interação através da linguagem, o que se observa em movimentos pré-linguísticos, como apontar. Se você perguntar para alguém que estuda decolonialidade, vai se surpreender como é tipicamente humana a postura de diferenciar os humanos de animais... afinal, somos animais.

sábado, 13 de junho de 2020

Comida

Um dia, notamos que a água que saía da torneira estava amarelada. As privadas confirmavam que água estava mais turva, porque decantava lodo no vaso sanitário. Imediatamente compramos galões de água e perguntamos ao síndico por que a água estava alterada. Chuva forte, lama, melhor estocar. Estocamos água amarela.

Uma camada de poeira se estendeu sobre a superfície da água parada nos baldes.

Alguns dias depois, uma grande operação foi executada aqui no prédio: a cisterna foi lavada, a caixa do alto foi esvaziada e lavada e ficamos todos sem água por um dia inteiro. Luis brigou comigo por eu ter esvaziado os baldes de água amarela e a contragosto desceu algumas vezes com baldes pra pegar água na piscina.

Nesse dia, pedimos comida no almoço e na janta. Depois de mais ou menos dois meses preparando todas as refeições, o sabor da comida feita em restaurante surpreendeu. Luis matou saudade do feijão, eu senti falta dos vegetais e Agnes reparou que não tinha panelas na mesa. Todos ficamos com as barrigas inchadas e decidimos nunca mais pedir comida.

Nisso a quarentena nos transformou: antes, fazer comida "custava tempo demais". Agora, fazer comida é normal e necessário.

terça-feira, 9 de junho de 2020

Família

- Eu não quero casar.
- Nem com príncipe?
- Eu não quero casar, mamãe.
- Por que, Agnes?
- Porque eu quero ficar sempre com vocês.

domingo, 7 de junho de 2020

Kit cura: cloroquina

Um dia depois de decretado o lockdown, apareceu uma fila de carros na frente de casa. Ficamos adivinhando por que a fila se formava rente à calçada (estariam à espera do caixão pra começar o cortejo fúnebre?). Observamos algumas que pessoas saíam do carro (como é comum em congestionamentos, mas podia ser indício de que as pessoas se conhecem).
Pelo que podíamos ver, a fila não passava da Esplanada. Os jornais desfizeram o mistério: tratava-se de um drive thru de testagem para covi-19 no Palácio do Governo. As notícias do dia seguinte  (perdoem o jornal local que confunde hidroxicloroquina com cloroquina e comete erros gramaticais) é que revelaram que a testagem foi apenas para pessoas com sintomas. O resultado saía em 20 minutos e quem testou positivo saiu de lá com receita médica e um kit contendo 4 medicamentos:
Azitromicina (um antibiótico), Ivermectina (tem verme no nome e não deve ser à toa: usado contra parasitas), Dipirona (antitérmico) e Cloroquina. Só um governador Bolsonarista concordaria com essa composição de kit. E não é que o homem estava lá, em pessoa, acompanhando a testagem e distribuição do kit aos 10% que testaram positivo? Isso é Rondônia.


sexta-feira, 5 de junho de 2020

Lockdown

Quando Rondônia aparece no Jornal Nacional, é porque alguma tragédia aconteceu. Nem a moça do tempo menciona Rondônia (ignorando a parte Norte do mapa - faça chuva ou faça sol), concentrando atenções no sul e sudeste. A novidade é o lockdown.

Essa curva que só sobe é reflexo da baixa adesão ao isolamento físico: 30% é a taxa de isolamento. Sem fiscalização, muita gente continua circulando, muitas lojas abriram suas portas (até lojas de redes grandes), muita gente em filas nas casas lotéricas. Porto Velho, enquanto capital do estado, concentra a maior densidade demográfica e atividade econômica, sendo responsável por 3/4 (três quartos) dos casos de covid-19.

Os dois estados brasileiros com menor taxa de contaminação e óbitos são os estados agro - em que a densidade populacional é baixa:

Pelo que eu entendi, o lockdown em Porto Velho significa basicamente o que foi o início da quarentena: farmácias, supermercados, postos de gasolina, comida delivery, água e gás funcionam; o resto fecha por uma semana.

segunda-feira, 1 de junho de 2020

Outra língua

- Que foi, Agnes? Não entendi o que você falou.
- É que eu tava falando outra língua.
- Que língua?
- Eu tava falando sério!

Nos EUA, foi a morte de George Floyd (homem negro que tentou comprar alguma coisa com uma nota de 20 dólares falsa e que morreu asfixiado por um policial branco ajoelhado em seu pescoço) que detonou protestos em todo o país.

Aqui o circo dominical dos bolsonaristas começou a ser enfrentado pela torcida organizada do Corinthians. Ontem os protestos ganharam vulto no Brasil.

Países que elegeram presidentes autoritários de ultradireita como Brasil e EUA estão começando a lembrar que conhecem outra língua.