quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Férias em casa

Quando os números de casos de contaminação e morte por covid começaram a cair, compramos passagens aéreas. Voo direto, curto e reto. Tanto a ida como a volta. Passamos uma semana imaginando a praia, os locais de hospedagem, o contingente de pessoas na cidade e reservando hotel e pousada. Reservei carro, para que não tivéssemos que nos misturar. 

O arrependimento começou a aparecer duas semanas depois: faz sentido? É seguro? Fui no site da empresa aérea para verificar a possibilidade de cancelamento. Não segui o procedimento até o fim, parei quando veio a mensagem de que, "em caso de cancelamento, os valores serão mantidos". Não fiquei sabendo se o valor do reembolso seria o mesmo que o valor pago ou se o valor pago ficaria como crédito. 

Oscilávamos entre a alegria de viajar e o medo de tudo dar errado. 

Os números de casos e mortes voltaram a subir e decidimos cancelar a viagem. Pelo site, me era cobrada uma taxa considerável de cancelamento. Pelo telefone, eu ouvia uma gravação dizendo que a viagem ainda não estava tão próxima e que, quando faltassem menos de 45 dias, eles me atenderiam - tu-tu-tu-tu.

Já ouvi dizer em algum lugar que ariano sofre muito quando não consegue resolver as coisas no tempo em que acha que deve. Fiquei cozinhando enquanto o tempo passava. Quando faltavam 44 dias para a viagem, a mesma voz da gravação me informou que me atenderiam quando faltassem menos de 30 dias - tu-tu-tu-tu. Paciência é uma virtude. Agnes aceitou bem a nossa decisão de cancelar a praia, tão desejada praia.

Antes de chegar o grande dia do cancelamento da passagem, a empresa alterou o horário das nossas passagens. Isso nos dava o direito de reembolso total ou crédito sem taxa, já que a alteração tinha sido feita pela empresa. Recebi email (muitos, em diversos endereços), sms e até whatsapp informando o novo horário. Clique aqui para aceitar. Aceitar a alteração era fácil, difícil era cancelar a passagem.

Consegui cancelar as passagens com tranquilidade e agilidade aos 29 dias da viagem (pelo telefone), o valor pago ficou como crédito e os pontos (milhas) gastos voltaram para a conta. Luis cancelou (com reviravoltas semelhantes) as hospedagens, eu cancelei o carro e começaram as férias - como se não estivessem nem aí pra nós. A chuva chove lá fora, o trabalho continua aqui dentro e a televisão nos invade com notícias tristes.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Bacaba

Luis e Jairo entraram na trilha e nós ficamos com as galinhas. Agnes brincou muito com os pintinhos, até esbarrar num galho do poleiro. Só mesmo um machucado pra tirar essa menina de dentro do galinheiro. Andamos até a casa do Jairo. Apareceu Rompe-Mato e Agnes entendeu, pelas cascas espalhadas no chão, que ele gostava de amendoim. Aprendeu a descascar amendoim e divertiu o filhote de cachorro.

Eu me cansei de esperar pelos dois e decidi entrar na trilha com a menina. Antes do brejo, já ouvimos as vozes deles. Jairo tinha espreitado umas bacabas e queria voltar lá pra colher açaí. Por enquanto, tinha colhido bacaba, o Nescau amazônico.


Foto: Luis

Mostre-me tuas raízes

 e te direi quem és.

Pupunha
Pupunha

Açaí

Buriti.

Instrumentos e ferramentas

Tem vezes que não consigo abrir o vidro (de geleia, azeitona, o que for). Faço força, às vezes sai um grito, mas a tampa não gira. Olga me ensinou um truque: virar o vidro de ponta-cabeça e dar umas batidas.  Às vezes isso é suficiente, mas às vezes é preciso apelar para outras estratégias. Que eu saiba, ainda não inventaram uma ferramenta que abre tampas de vidro. Mas eu posso usar uma ponta de faca, por exemplo, pra liberar o vácuo. A faca não foi projetada para abrir tampas de vidro, mas quebra o galho. Taí um instrumento: qualquer objeto que resolve o seu problema, sem ter sido desenvolvido especificamente para este fim. Acho que é por isso que Rudi Keller nega que as línguas sejam instrumentos de comunicação: porque ele acredita que as línguas sejam resultado da nossa comunicação. Não usamos a língua para comunicar: comunicamos (todos os seres vivos comunicam). E porque comunicamos, é que surgiram as línguas.

Eu também poderia ter usado uma chave de fenda (se não tivesse faca).

Numa loja de ferramentas, encontro chaves de fenda de vários tamanhos. Encontro até mesmo uma derivação da chave de fenda - a chave philips, que evoluiu com o formato do encaixe na cabeça do parafuso. Ferramentas foram desenhadas para resolver problemas específicos. Tão específicos, que a chave philips não serve para parafusos em que há somente uma fenda (-), porque a chave foi projetada para parafusos de fenda cruzada (x).

Os primeiros artesãos do livro, que manipulavam os tipos móveis de Gutenberg para compor cada página, fizeram das aspas uma ferramenta: o desafio era marcar graficamente o discurso citado (as palavras do outro). O tipógrafo fazia as letras em itálico para que o compositor marcasse, através do tipo de letra, as vozes do texto. Mas, dependendo da extensão da citação, muitas letras em itálico eram necessárias - e custavam trabalho, tempo e material para serem feitas. As aspas eram só vírgulas invertidas que podiam marcar citações dos mais diversos comprimentos. Usar aspas para marcar o discurso citado era mais econômico que fabricar letras em itálico.




domingo, 27 de dezembro de 2020

Um ano

 

Faz um ano que essa orquídea (?) foi transplantada aqui para a janela da sala pelo Luis, the constant gardener. Ela demorou esse ano todo (a quarentena e um pouco mais) para florir.

Essa é a "roxinha da Agnes", que ela ganhou de aniversário quando completou 1 ano de vida. Do vaso, essa planta tinha ido pra terra, onde floresceu por longa temporada. Quando mudamos pro apartamento, apertamos algumas das nossas preferidas do jardim nas janelas e sacada do apê.

E assim as plantas migram no espaço e entram na nossa contagem do tempo.

domingo, 20 de dezembro de 2020

Jaca torta

 


Agnes e as galinhas

 

Bem no começo da quarentena, teve um dia que Luis voltou da rua com dois pintinhos. Eles ficaram na varanda e Agnes passou horas conversando com eles. Um era pintadinho e o outro ela chamou de pretinho. Fizeram muita sujeira, muito barulho e comeram metade das plantas. Quando a ração deles tava no final, levamos os dois pro Jairo. Ele deixava os dois soltos de dia, recolhia de noite (colocava dentro de uma caixa) e dormiam na casa.

A pretinha morreu, a pintadinha virou amiga do Rompe-Mato e Jairo construiu um galinheiro. Comprou mais pintinhos.


A primeira (que era da Agnes) ainda não bota ovos (pelo menos o Jairo não os vê), mas bate nas menores. Agnes adora pegar galinhas/pintinhos. Agora tem uma terceira geração crescendo no galinheiro.




quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Vírgula opcional

A esmagadora maioria dos textos que versam sobre sinais de pontuação são manuais, gramáticas e guias de redação. Neles, há regras de pontuação copiadas e coladas ao longo dos séculos. Só que se a pessoa não entende da construção da sentença, não conseguirá aplicar - nem entender - as regras. 

Os sinais de pontuação incidem sobre a sentença e o texto. A alínea (o espaço em branco), que demarca o parágrafo, extrapola a sentença; bem como as aspas (que marcam o discurso citado, não importando sua extensão); os parênteses (dentro deles cabe desde o sinal de pontuação ao parágrafo) e o travessão que marca os diálogos - não importando quantas sentenças são enunciadas. 

O uso da alínea, ou seja, a marcação de parágrafos, não é obrigatória. Mas também não é opcional. Parágrafos têm a função de agrupar sentenças que tratam do mesmo assunto - para ordenar melhor o texto para o leitor. A legibilidade está em jogo. Costumamos desanimar diante de parágrafos de página inteira e, no polo oposto, os alunos tendem a escrever frases-parágrafo. Parênteses também não são obrigatórios ou opcionais, mas ajudam a hierarquizar a informação (o que está entre parênteses é secundário, equivaleira a uma nota de rodapé embutida na sentença). O travessão que marca diálogos é opcional se as opções forem outras maneiras de marcar graficamente a fala de alguém: aspas, itálico ou novo parágrafo.
No caso dos sinais de pontuação que incidem sobre a sentença, temos os que finalizam sentenças (ponto, exclamação, interrogação e reticências) e os que operam no interior das sentenças: vírgula, ponto e vírgula, dois pontos e travessão (duplo)

Os finalizadores de sentença são obrigatórios no sentido de que é preciso terminar as frases, mas a decisão de qual deles fará o serviço fica a cargo do escrevente. Não existe medida para se saber quando termina a frase: as sentenças podem ser infinitas (olha o Chomsky aí com a recursividade). Quando o escrevente decide encerrar uma sentença com reticências ao invés de ponto, exclamação ou interrogação, ele se coloca no texto. O texto deixa de ser uma sequência de frases e passa a ser da autoria de alguém que se posiciona em relação ao texto.

Já os sinais que operam no interior da sentença são sintáticos. Isso significa que eles separam, marcam e delimitam unidades menores que a sentença (orações, sintagmas e palavras). O ponto e vírgula é opcional quando a opção for separar as duas orações por ponto (ou travessão) ou os itens da enumeração por vírgula. Dois pontos é opcional quando a opção for o ponto, a vírgula, ponto e vírgula, o travessão ou, dependendo, a partícula 'que'. O travessão é opcional quando a alternativa for dois pontos ou ponto e vírgula. No caso de travessões duplos, a alternativa pode ser parênteses ou vírgulas duplas. No caso de delimitação do discurso citado, as aspas podem assumir a função dos travessões.

Deixei a vírgula por último. A vírgula é o mais sintático dos sinais: delimita, separa e marca unidades. 

As vírgulas duplas são opcionais quando a opção for outro sinal duplo. Nesses casos, as vírgulas delimitam unidades menores que a sentença. Uma maneira de entender a diferença entre explicativas e restritivas é atentando para a presença da vírgula: a oração não é, em si mesma, restritiva ou explicativa. A colocação da vírgula faz com ela seja explicativa ou deixe de ser. A opção não é entre usar ou não a vírgula, mas entre o que se quer: uma restritiva ou uma explicativa. 

Vírgulas separam unidades iguais entre si. Isso vale para itens numa lista e para orações (coordenadas, correlatas, justapostas ou construções de tópico-comentário). No caso da orações subordinadas, não temos vírgula se a conjunção estiver no meio, entre as duas orações, porque uma oração está dentro da outra. Conjunção não é automaticamente ocasião para vírgula: é preciso atentar para a posição da conjunção na sentença. Se a subordinada e a principal estiverem invertidas, a vírgula marca a inversão. Se as coordenadas estiverem invertidas, dá um nó na cabeça. 

Vírgulas marcam ordem de palavras. Em português, a ordem de palavras é SVO + adjuntos. Se os adjuntos (sintagmas preposicionados ou adverbiais) não estiverem no final, as vírgulas delimitam esses sintagmas para mostrar que eles estão deslocados. Algumas gramáticas afirmam que a vírgula é opcional para delimitar sintagmas deslocados curtos. Qual é a medida? Quantos metros de sintagma são considerados toleráveis para o carimbo de curto? Estudando estruturas de tópico-comentário, percebo que topicalizamos (significa trazer para o início da sentença, dar destaque à informação) cada vez mais. Inclusive adjuntos. Que a gramática tradicional tolera como opcionais. Por fim, vírgulas marcam elipses. Jason Merchant compara a elipse a um buraco negro: não podemos olhar dentro da elipse, mas podemos analisar o comportamento do que orbita ao seu redor. Se a vírgula marca o buraco negro, a opção não é o espaço em branco, mas o verbo elidido.

Resumindo: não faz sentido que a vírgula seja opcional - do tipo usar a vírgula ao invés de nada. Há opções, mas na maioria das vezes, as opções são outros sinais de pontuação!

segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Feira

Mais ou menos simultaneamente à instalação da pandemia, estabeleceu-se a feira agroecológica do MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens). Eu fazia o pedido de frutas e verduras pelo Whatsapp e na sexta-feira eu atravessava a cidade pra ir lá na Igreja São José Operário (onde começa a Jatuarana), buscar os produtos e pagar por eles. Havia outras bancas com produtos regionais (farinha de mandioca, goma de tapioca, couve, cheiro verde etc.) e um cartaz anunciava a feira do MAB. O homem que vende abacaxi na entrada da Vila da Eletronorte (com quem cheguei a trocar manga massa por abacaxi quando morávamos na Vila da Eletronorte) sabia da feira e passou a esperar o fim da feira antes de ir embora, porque muita gente que ia na feira, passava por ele.

A Cleide, que me vendia os produtos, era velha conhecida do Luis. Com o avanço da pandemia, Cleide mudou pra quinta-feira e vinha sozinha, entregar as encomendas dos clientes. Assim evitava aglomeração de feira. Eu conhecia muitos dos clientes dela: a maioria dos que eu conhecia eram professores da UNIR. Teve um dia que ela perdeu os contatos de todo mundo no celular e lá fui eu escrever email institucional pros colegas avisando e pedindo pra eles darem um toque pelo whats. A prefeitura de Candeias, que fornecia o transporte pro pessoal da feira de sexta, cancelou as viagens de quinta da Cleide e ela voltou pra sexta-feira, junto com as outras bancas.

Descobrimos que essa feira está inserida num Projeto de Extensão da UNIR de hortas agroecológicas e que a ideia é evoluir para entrega (a domicílio) de cestas com produtos da época. Pensamos que o pessoal do Maravilha poderia participar desse projeto.

Aí o Jairo me mostrou duas caixas de manga que ele tinha coletado pra ir vender no sinal, mas não foi. Perguntei pra Cleide se ela podia vender as mangas do Jairo. Ela intuiu que a feira de terça (em outro lugar) seria mais promissora. Busquei as mangas no Jairo e levei na feira de sexta. Vendeu tudo. Quando fui buscar as mangas no Jairo pra levar na feira de terça-feira, levei uma lista de coisas que ele queria trocar pelas mangas. Fiz a feira e Cleide vendeu todas as mangas de novo. Na feira da sexta-feira seguinte, veio gente no carro, perguntando preço, enquanto eu descarregava as mangas do Jairo. As pessoas passaram a incluir mangas em seus pedidos. Cleide encomendou duas caixas de manga pra feira de terça. Vendeu tudo e disse que se tivesse uma terceira caixa, vendia também. Jairo quis saber se a Cleide podia vender também as bananas do Preto, os mamões do Damián e bolo de macaxeira da Íris.

Hoje o Jairo não colheu manga, porque teve que consertar a cerca. Quando eu fui na feira, buscar as minhas encomendas, Cleide disse que as mangas fizeram falta. Duas caixas pra terça! Pode trazer banana e bolo de macaxeira, não deixa perder nada!

Sessão de lançamentos 2019-2020

 

A ABRALIN vai promover uma sessão conjunta de lançamentos de livros no dia 19 de dezembro. 50 livros publicados entre 2019 e 2020 serão apresentados em 10 minutos pelos seus autores/organizadores. Ivo Rosário e Monclar Guimarães, organizadores do livro livro Fundamentos e métodos para o ensino de língua portuguesa, lançado pela EDUFRO, apresentarão o livro deles entre 11h e 11h10. Eu vou apresentar o meu, Onze sinais em jogo, das 13h20 às 13h30 (horário de Brasília).

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Quatenta metros de idade

Crianças que mal sabem contar para além do 10 misturam os números em respeito à ordenação de centenas e dezenas: noventa e trezentos e cinco. Agnes também faz isso, normal.

Novidade é o número "quatenta" e a confusão expressionista de unidades: kilos de altura me dão um nó na imaginação...

Aqui Agnes queria pegar quatenta galinhas - num conjunto de 12.


segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Sete anos

 

O casamento foi celebrado em Gramado, na mesma igreja em que os meus pais se casaram. Poucos amigos tiveram condições de vir: estávamos geograficamente distantes de todos, mas perto da minha família. Fiquei muito contente com a presença de todos que puderam compartilhar esse momento conosco. Essa foi a última viagem de avião do meu pai...

"Lâmpada para os meus pés é a tua palavra, e luz para o meu caminho."

Nesses sete anos que se passaram, alguns membros da família instalada através do nosso casamento já não estão mais entre nós: o pai do Luis, a Madá, meu tio Gerhard e minha Oma. Mas a família ganhou a Agnes. Nós três, do núcleo familiar menor, temos sobrenomes diferentes (Garzón, Kleppa e Novoa), mas somos o resultado da mistura que começou sete anos atrás. (Na verdade, casamos logo depois de nos conhecermos.)

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Audiência pública, mas vocês não podem entrar

Fazer audiência pública em tempos de pandemia é complexo: de modo virtual, nem todos têm acesso e direito a voz, de modo presencial tem o risco de contaminação pela covid-19. A Assembleia Legislativa de Rondônia optou por fazer a audiência pública sobre a desafetação da Resex (reserva extrativista criada em 1996) Jaci-Paraná e Parque estadual Guajará-Mirim (invadido por uma estrada que abriram durante a cheia de 2014, que passou a escoar gado ilegal) de modo presencial. 

O tema é escandaloso: A Resex vem sendo desmatada sistematicamente por grileiros, madeireiros, criadores de gado e plantadores de soja. Os povos tradicionais que viviam do extrativismo (indígenas, ribeirinhos e quilombolas) foram ameaçados, enxotados e violados com o avanço da exploração predatória do território. Desafetar a Resex significa regularizar as cabeças de gado que pisotearam e compactaram o solo a ponto de não nascer mais nada. Significa premiar quem invadiu a Resex

No caso do Parque estadual Guajará-Mirim, a história se repete, mas do jeito mais clássico de invasão de terras na Amazônia: através de uma estrada que vai abrindo caminho para a ocupação e que escoa os produtos pilhados.

Chegamos a um ponto de devastação ambiental em que não é mais suficiente parar de explorar as riquezas naturais. É preciso reparar, plantar de novo - não soja!

A audiência estava marcada pra 9h. Chegaram os representantes do agronegócio. Entraram. Chegaram pessoas avulsas que não usavam terno e gravata. Entraram. Chegou o ônibus trazendo o pessoal dos movimentos sociais. Não pode entrar.

domingo, 29 de novembro de 2020

Abstenções, nulos e brancos

Hoje algumas cidades tiveram o segundo turno. Em Porto Velho, a disputa era entre o atual prefeito, aliado do agronegócio, e uma evangélica que defende a Escola sem Partido. Como escolher? Um em cada três eleitores não foi votar. Um terço da população (mais precisamente 34,2%) decidiu não contribuir para a decisão de quem seria o/a prefeito/a em Porto Velho. A esse contingente se somam os votos nulos (5,2%) e brancos (2,7%). Total: mais de 40% da população não contribuiu para a escolha entre a direita do  empresariado e a direita ideológica. No final das contas, o número de eleitores que não foi votar foi maior que o número de eleitores que reelegeram o prefeito.

A ciência e a verdade


Daniel Everett foi missionário entre os indígenas em Rondônia e Amazonas e fez parte da SIL, que tem como objetivo a tradução da Bíblia para todas as línguas, independentemente da cultura e religião de quem receber "a palavra". No convívio com os pirahã, Everett virou ateu (lembrando: ateu não é a pessoa que não acredita em Deus, mas a pessoa que acredita que Deus não existe) e passou a criticar sua própria atitude enquanto missionário – mas se calou em relação aos missionários que seguem convertendo indígenas e à SIL que assumiu a tarefa de inventariar e catalogar as línguas do mundo. O doutorado de Everett foi orientado por Charlotte Galves, notória pesquisadora na Unicamp – no quadro teórico do gerativismo. A recursividade – que Everett não encontrou em pirahã – foi o primeiro (e infinito) embate com Chomsky, porque, para Chomsky, a recursividade é constitutiva da linguagem humana. Esta é a segunda conversão de Everett – dessa vez, de cunho teórico.

Não é preciso passar pelas experiências de Everett para refutar o gerativismo. O formalismo de Chomsky não é a única opção em Linguística (há várias formas de funcionalismo, inclusive diferentes escolas funcionalistas atuando no Brasil). Chomsky não equivale a sintaxe à língua, apenas defende sua centralidade numa concepção modular da linguagem humana. São opções teóricas, tais como encontramos na Física, quando Einstein postula, na Teoria Quântica, que o Universo é estático (sendo que o big-bang seria a refutação disso). Teorias não correspondem “à verdade”, mas recortam, descrevem e explicam fenômenos.

Chomsky e Everett seguiram caminhos distintos, por isso suas hipóteses acerca da linguagem são incompatíveis. Everett não é o primeiro nem o último a criticar os pressupostos do gerativismo, nem o único a inaugurar um modelo teórico próprio. O fazer científico é baseado no diálogo – não na aniquilação ou conversão de “inimigos”.



sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Laços

Antes, eu não tinha medo de morrer: tinha pena de quem recebesse a notícia da minha morte. 

Quando conheci o amor da minha vida, tive medo que ele morresse. A notícia de sua perda seria só a primeira agulhada da dor infinita e da ausência de sentido. Como sobreviver? Minha existência está ligada à dele. Tua palavra é luz para o meu caminho. Com a luz, veio a sombra.

Nasceu a minha filha e entendi que eu não posso morrer enquanto ela depender de mim. Com tanta morte à volta, é difícil ignorar essa sombra que nos acompanha.

domingo, 22 de novembro de 2020

Mercúrio

Estávamos as duas no carro, voltando do parquinho. Agnes tinha ralado o joelho e estava se sentindo miserável: "Está doendo! E a amiga não estava de máscara! Eu vou pegar o vírus!"

Tentei acalmar: "Quando chegar em casa, você vai tomar banho e papai vai passar mertiolate ou outra coisa."

"O que é mertiolate?"

"Aquela coisa que arde, mas limpa o ferimento. Ou ele vai passar mercúrio."

Aí ela desatou a rir. A risada tomou o lugar da dor: "Mercúrio é um PLANETA, mamãe!" 


sexta-feira, 20 de novembro de 2020

O passado e o futuro

 

Troche: Bagagem.
 

Meu passado caminha com o seu futuro. O que me define, além de caminhar ao teu lado, é o meu passado; o que te define, além de caminhar ao meu lado, é a potencialidade do teu futuro. Foi nisso que pensei quando vi essa imagem no livro Bagagem do uruguaio Troche. Pensei na Agnes e em mim, já que na imagem parece haver uma relação do mesmo tipo (os dois caminhantes são bem parecidos, só que de tamanhos diferentes).

Mas dá pra pensar nos assassinatos de George Floyd e João Alberto Silveira Freitas e seus desdobramentos. Ambos foram homens negros na faixa dos 40 anos de idade asfixiados por policiais. Ambos foram mortos na saída de mercados. A morte de ambos gerou protestos no resto do país. Depois da morte de George Floyd, Trump não se reelegeu. No Brasil, 44% das cadeiras de vereadores nas Câmaras Municipais serão ocupadas por negros.

A morte de João Alberto Silveira Freitas é o assunto do dia da Consciência Negra (20 de novembro). Foi espancado e morto por seguranças terceirizados do Carrefour. Segundo matéria da Folha, a empresa de segurança tinha milicianos na formação de seu pessoal e no topo de sua estrutura hierárquica:

O Grupo Vector, responsável pela segurança terceirizada da loja do Carrefour em Porto Alegre, onde João Alberto Silveira Freitas, 40, foi espancado e morto por dois seguranças na noite desta quinta-feira (19), tem em seu quadro societário dois policiais militares e um policial civil e atende outras varejistas, como Extra, Atacadão e BIG (Walmart).

Outra notícia veiculada na Folha aponta para o problema que isso representa:

A Constituição Federal proíbe funcionários públicos, como policiais, de acumularem cargos remunerados, como a chefia de companhias de segurança privada.

Algumas delas são empresas de formação de seguranças, outras executam o serviço na ponta e podem contratar policiais em seus dias de folga, o que também é ilegal. A fiscalização do setor fica a cargo da Polícia Federal, que tem falhado nessa tarefa.

Esse é o nosso passado acumulado. Que o respeito pela vida do outro seja maior que a defesa do mercado, que a cultura da terceirização mude, que a responsabilidade pelo serviço terceirizado seja incorporada pelo contratante, que homens negros saiam da mira da violência policial e do encarceramento, que Boulos (SP) e Manuela (POA) cresçam no segundo turno: é isso que eu desejo que aconteça no futuro.

 

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Marcele Reitora!

Saiu hoje a nomeação da Marcele no Diário Oficial da União. Na lista tríplice estavam: a Marcele em primeiro lugar, Cíntia em segundo e Novoa (meu marido!) em terceiro.

quarta-feira, 18 de novembro de 2020

Deadline

Ele entrou no projeto sabendo dos prazos e entendeu que precisaria se organizar para cumpri-los. Montou uma equipe, delegou tarefas, compilou dados, agendou e conduziu entrevistas. Na equipe, um montou mapas, outro fez os gráficos, outro transcreveu as entrevistas. O esforço de interpretar os dados era equivalente ao da tese. Um universo inteiro se abria: a vontade de teorizar vinha antes da disposição para analisar os dados coletados.

Pediu que a família compreendesse que precisava de tempo para se dedicar ao projeto. Ficava esgotado depois das reuniões, das entrevistas, de pensar diante da tela. Chegou a se isolar num hotel, mas como tinha levado o celular, as notícias urgentes e cobranças do mundo ao redor logo o alcançaram. 

O prazo foi adiado e ele passou dois dias resolvendo pendências acumuladas. Quando retomou o projeto, viu que o tempo concedido era pouco para o que faltava fazer. Havia dois limites que se impunham: o tempo do relógio e o número de páginas. Precisava coordenar o volume de escrita com o tempo que ainda lhe restava. Contagem regressiva no calendário, número de páginas escritas aumentando. 

Mudou a rotina de toda uma rede de pessoas. Os membros do grupo passaram a se reunir alta noite, a família passou a sair mais de casa para deixá-los trabalhar. A hora do fim do prazo se aproximava. Não havia texto quando o dia chegou. Havia um esqueleto, uma ideia, uma intenção, um plano. Mas não havia texto. 

Pediu mais prazo. Como ele é conhecido e reconhecido na academia, apostaram na qualidade do trabalho e concederam uma semana a mais de prazo. Ele se sentia como quem engana a Morte e posterga a sua hora. Juntou material produzido por um, por outro, escreveu em cima, teorizou e se surpreendeu com a riqueza do material que tinham à disposição. Quando atingiu metade da meta do número de páginas, entendeu que as outras seções não poderiam ser tão extensas. Ao invés de escrever, passou a cortar, reduzir, resumir. E o calendário mostrava que o seu tempo ia minguando.

Perdeu o prazo, que era uma sexta-feira. Com o argumento de que ninguém abre email depois da meia-noite de sexta-feira, teve esperança de conseguir finalizar na madrugada de sexta para sábado. Percebia que o que estava na sua cabeça era toda uma tese articulada de aproximadamente 200 páginas. Lutou para condensar isso tudo em 30 páginas. A cabeça girava, o corpo moído pela cadeira, as pontas dos dedos adormecidas, mas ele tinha sido dominado pelo projeto e precisava entregar um texto respeitável. Sábado passou, entrou domingo e a forma do texto ia ganhando corpo. Na noite de domingo, chegou a cogitar que tinha alcançado a metade do texto. Faltava a outra metade.

Na segunda, o ultimato: aguardamos o texto hoje. Pediu à companheira que revisasse o texto assim que estivesse pronto. As seções estavam definidas, havia texto escrito, mas essa história de escrever um texto a muitas mãos dá um caráter meio esquizofrênico ao todo, já que cada autor tem seu estilo, suas fórmulas, seu tempo de exposição. Um jogava pílulas concentradas - quase enigmáticas, outro se demorava nos passos que levariam à conclusão. Era preciso homogeneizar a escrita. Passou a noite trabalhando. A companheira entrou em ação de madrugada. Enquanto ela revisava a primeira parte, ele lapidava a segunda. 

Na manhã de terça, ele declarou que tinha alcançado dois terços do texto. A companheira tinha chegado nas referências bibliográficas e se deu conta de que a ABNT não é universal. Em outras línguas, os sinais de pontuação exercem outras funções ao organizar a informação contida na referência. Faltavam quatro referências que haviam sido citadas no corpo do texto. Ela perguntava se Nascimento e Castro não era o livro que estava no banheiro. Ele respondia que Castro não era a Edna, mas outra pessoa (mas era a Edna Castro). As notas de rodapé se mostraram um problema: numa versão do texto, as notas tinham sido colocadas no rodapé da página, por isso não foram copiadas com o resto do texto. A revisora teve que inserir (e formatar) cada uma das notas na versão final. Quando chegou a segunda metade do texto, ela notou que várias partes da primeira metade estavam marcadas e precisavam ser inseridas na versão final. Ou seja: não se progride por seções cumpridas, mas por assuntos resolvidos por escrito - e isso envolve forma e conteúdo.

Antes de almoçar (depois do meio-dia), todas as seções estavam completas, mapas e gráficos no lugar, notas inseridas, referências citadas e o texto revisado. Poderia ficar melhor, não fossem esses prazos - que são de matar. Quando a pessoa finalmente cruza a linha de chegada, está morta de cansaço.

segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Brincar sem brinquedo

Agnes brinca sozinha com brinquedos quando são novidade. Com outra pessoa, ela brinca com brinquedos numa boa, mas o que ela mais gosta é de brincar com outras crianças. E aí não precisa de nada além de espaço. 

Em plena ascensão da segunda onda do corona vírus, o parquinho ainda é a melhor opção. Ela corre com Mathias e brinca com os amigos do Mathias - que são todos os frequentadores do parquinho de mais ou menos 1m de altura.

domingo, 15 de novembro de 2020

Como foi o ensino remoto

O ensino remoto foi abreviado. Antes da pandemia, cheguei a dar 4 aulas (encontros de 1 hora e meia). Quando a universidade admitiu que os cursos poderiam seguir de forma remota, tanto alunos como professores puderam escolher se seguiriam no modo remoto. Eu decidi seguir com a disciplina eletiva, Neurolinguística, e abortar a disciplina curricular, Morfologia. O problema era que estávamos decidindo isso em outubro pra começar o ensino remoto em meados de outubro. Foram feitos cálculos em que aulas síncronas e assíncronas foram computadas de maneira desigual: 2 horas de aula presencial para 6 horas de leitura e estudos por conta própria. Pelo cálculo, quem dava disciplinas de 40h, como era o meu caso, só daria 4 aulas e meia (cada uma de 1 hora e meia). Considerando que o curso tinha iniciado em fevereiro e que as aulas ministradas antes da pandemia correspondiam a 25% das aulas do curso (ou seja, 4 aulas presenciais equivalem a 25% do curso), eu tinha que abater uma aula e ministrar 3 aulas e meia no modo remoto (ou seja, 3 aulas e meia corresponde a 75% do curso). Maluco, né?

A turma tem hoje, no sistema, 45 alunos. Alguns deles entraram na turma só durante a pandemia, outros  trancaram. Os professores receberam uma lista com email de todos os alunos matriculados no curso. Nessa lista, apenas 4 alunos declararam que não seguiriam pelo modo remoto por não terem condições (tecnológicas) de acompanhar as aulas. Mas... nota e presença só 25 alunos conseguiram alcançar ao fim do curso.

O curso era sobre Neurolinguística, mais especificamente sobre a semiologia das afasias. Falamos de dislexia e de autismo porque choveu de perguntas sobre esses distúrbios, já que as pessoas têm contato com pessoas diagnosticadas. Os seminários estavam previstos no curso presencial e foram mantidos no remoto: editei vídeos de 4 minutos em média que podiam servir de base para estudos de caso de agramatismo, jargonafasia, anomia e estereotipia. Sobre confabulação eu não tinha material audiovisual, mas tinha textos.

Pedi aos alunos que relatassem como foi a experiência do ensino remoto. Todos encararam o seminário como um grande desafio: botar slides a partir do celular, fazer um vídeo rodar e falar com tranquilidade não foi fácil. Todos relataram que o que os motivou mais foi o conteúdo do curso: distúrbios de linguagem era o desconhecido, mesmo que tivessem alguém com algum distúrbio de linguagem na família. Aprender então sobre discurso na esquizofrenia, autismo, anosognosia (como pode alguém não ter consciência das suas dificuldades?), confabulação e memória foi decifrar alguém conhecido. E assim a Neurolinguística entrou na vida cotidiana, no caso concreto.

Só que essa turma é de primeiro semestre. Eles ainda nem entenderam o que é Linguística, quais são as disciplinas, como se pronuncia léxico, sintaxe, apraxia e prosódia. Ficaram confusos com as teorias linguísticas assim, no plural (não é uma verdade só? são diferentes teorias?).

E aí eles se sentiram sozinhos, sem foco. A cada leitura de texto, eles precisavam procurar explicações para palavras e conceitos em outros textos. Tiveram que fazer anotações, resumos e fichamentos por conta própria para entender o texto que seria usado no seminário. Tiveram que aprender a pesquisar informação. Uma aluna (talvez ela seja exceção) relatou que leu todos os textos dos seminários. Isso quase nunca acontece: cada aluno lê apenas o texto que vai apresentar e absorve do seminário dos colegas o conteúdo dos outros textos. A carga de leitura foi a mesma que seria no presencial, mas entendi, pelos relatos deles, que eles leram mais no modo remoto que leriam no modo presencial. Leitura não garante aprendizado. Mas é um bom começo. 

A grande maioria relatou dificuldades para se adaptar ao modo remoto. Havia barulho na casa, distratores, concentração era um problema, participar das aulas pelo celular foi um desafio, o sinal de internet nem sempre era bom, a conexão caía. Quem tocou nesse assunto, reportou que compreendia o conteúdo melhor no modo presencial. Em alguns casos, o bloqueio parecia não ser só de ordem técnica. Entendi que comunicar não é só falar: os gestos, a postura, as brincadeiras, a polidez que fazem parte da interação face a face não estavam na tela. Uma pessoa relatou que a turma se ajuda bastante - mas que presencialmente, na convivência, as afinidades faziam fluir melhor o estudo e o trabalho colaborativo.

A tese central do documentário Ivory Tower (Torre de marfim) de 2014 é que a universidade oferece 3 coisas: ensino/educação; redes de relações; certificado. As redes de relações são tão importantes quanto o ensino e o certificado. O modo remoto falha ao deixar o aluno sozinho, sem relação com o professor e com os colegas.

Com essa segunda onda de corona vírus, parece que ano que vem continuaremos no modo remoto. Precisamos aprender a interagir com os alunos nessa modalidade - sabendo das dificuldades deles.

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

III Congresso Métodos Fronteiriços

 

Marcadores de livro desenhados pela Leidijane Rolim

 

Fui convidada pela organização do III Congresso Métodos Fronteiriços a falar sobre "vozes e edições amazônicas" numa mesa com o editor da Revista equatoriana Kipus e moderação do Miguel Nenevé, ele mesmo editor da Revista Igarapé. Duas revistas que publicam estudos culturais, decolonialidade e suas respectivas articulações de conhecimento. E eu, editora da EDUFRO. 

A organizadora e eu pensamos juntas o que eu poderia falar nessa mesa e chegamos ao lema da editora: Pensar por escrito. Depois da minha fala, deu vontade de escrever sobre Flusser, o processo de escrita, o produto da escrita, editoras, leitores e tudo junto e misturado: o autor que é leitor e edita seu texto.

Os slides não andaram como eu via na minha tela, Luis tentou me avisar depois que todos tentaram me avisar por escrito (email, celular), mas eu estava tão concentrada na fala, que não consegui ouvir os avisos.

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Menos plástico

Isto é um brócolis

Agnes eu eu saímos de casa pra ir na cabeleireira, mas o salão estava fechado. E agora? Tomar sorvete! Fomos lá, tomar sorvete. E agora? Parquinho! Fomos, mas no caminho tinha uma feira. Achei surpreendente uma feira de tarde, tão perto de casa. Descemos do carro e fomos explorar. Vi uma banca com fraldas ecológicas, coisas em bambu e cheguei mais perto. Me interessei por toalhas com cera de abelha que funcionam como filme plástico.

Isto é um queijo

 Achei tão bacana essa ideia de usar menos plástico, que levei um kit com 3 tamanhos diferentes. A toalha é moldada pelo calor da mão e fica nessa forma na geladeira. Dura um ano e pode ser lavada. Fui procurar isso na internet e achei tutorais que ensinam a fazer esse pano (se não quiser comprar, dá pra fazer - contanto que se tenha cera de abelha). 

Agora temos só o desafio de lembrar o que está dentro dos panos de cera ;]

terça-feira, 10 de novembro de 2020

Museu do Parque Ecológico

 

Os parques foram reabertos há pouco tempo. Agnes e eu fomos no Parque Ecológico e não conseguimos fazer a trilha, porque a manutenção ainda não trocou todas as tábuas apodrecidas. Quando estávamos saindo da trilha, um homem segurando uma haste com um gancho na ponta passou por nós. Entendi que era um funcionário do Parque, mas não saquei logo o que ela aquele bastão.
Sem trilha, sugeri que visitássemos o museu (que eu não conhecia). O cheiro de naftalina foi a primeira impressão que nos saudou no interior do museu, junto com o frio do ar condicionado em modo polar que abraçava nossa pele molhada.
Os animais empalhados na vitrine central e os insetos mortos eu achei normais e Agnes saltava de um olha aqui! pra outro mamãe, vem ver!

Só que daí me dei conta de que TODOS os animais expostos estavam mortos. Com algodão nas órbitas dos olhos. Com ovinhos de naftalina nos cantos. Teriam morrido nas redondezas? Museu taxidermista...
Entramos numa sala em que havia cobras, sapos e peixes em potes de vidro sortidos. Entendi ali que o bastão que o sujeito na trilha segurava era pra pegar cobra.
Lembrei da greve de 2011 na UNIR, quando Carolina Doria dizia pra câmera que ela trabalhava no barracão, todo de madeira e sem um extintor de incêndio, em que toda a coleção de peixes estava guardada em vidros com álcool. Os vidros do museu igualmente parecem ter saído da cozinha.

domingo, 8 de novembro de 2020

Pé-frio

Não lembro exatamente o ano, mas imagino que deve ter sido entre 1995 e 1998. Éramos todos cabeludos e adolescentes, eu viajava com Wernher e Leo para Itatiaia com certa frequência e namorava o Fernando. Wernher e eu frequentávamos a mesma escola (entrei na USP em 1996), mas ele era um ano mais novo que eu. A mãe dele só autorizava as viagens com o Leo porque a Lou ia junto - e a minha mãe só deixava eu ir com eles porque o "Wermi" ia junto. O Leo era estudante de Física na USP, tocava um laboratório de identificação de componentes químicos através de fios de cabelo e escalava. As viagens pra montanha eram pra compensar as horas de escalada em academia (principalmente do Leo). Foi em Itatiaia que conhecemos o Everal (esgrimista) que se juntou ao grupo e me apresentou a Linguística: ele estudava na USP e me convenceu a escolher Linguística ao invés de Português. 

Everal 
A primeira vez que me chamaram de pé-frio foi na volta de uma viagem a Itatiaia em que muita coisa deu errado. Quando chegamos na minha casa (todos sujos e cansados), a palmeira no jardim tinha quebrado ao meio. Todos olharam pra mim e decretaram: você é pé-frio. Não lembro de tudo que deu errado na viagem, mas consigo recuperar alguns fragmentos: Everal foi dirigindo um Fusca que tinha sido abandonado perto da fábrica de toalhas do pai do Leo em Guaratinguetá. O Fusca não tinha buzina, por isso Leo nos deu uma bateria eletrônica (quem ouviria aquele som fora do carro, se as janelas não abriam?); o câmbio só tinha 4 marchas (mas Everal insistia em colocar a quinta na subida, o que exasperava o Fernando); quando fomos parados no posto policial, Everal não tinha nem carteira de motorista, nem conseguiu puxar o freio de mão e teve que pisar no pedal mesmo estando fora do carro, tentando convencer o policial de que o xerox da CNH valia pela carteira. Depois, já instalados em nossas barracas, resolvemos escalar o Pico das Agulhas. Na subida, cruzamos com uma moça (Amy) e dois rapazes (mal preparados para a montanha) que nos acompanharam até o topo. Não deu pra assinar o livro (que fica dentro de uma caixa de metal, junto com várias canetas gastas), porque caíram várias chuvas de granizo. Pedra de gelo na cabeça dói. Foi escurecendo e as pilhas no capacete do Leo acabaram. Descemos devagar e encordados. Tropeçava um, balançava o outro, caía outro e o último gritava de susto. Quando chegamos na barragem perto do Abrigo Rebouças, o lugar que tínhamos atravessado sem molhar os pés na ida tinha virado um rio caudaloso. Leo atravessou primeiro com a corda, Wernher foi depois. Amy não quis que o Everal experimentasse seus nós complexos e se meteu na água segurando a corda - e foi levada pela correnteza. Um vulto branco descendo o rio. Choque. Wernher saiu em busca da americana e a encontrou agachada: Tudo bem, Amy? Dá licença, por favor, estou fazendo xixi. De madrugada, chegamos na hospedaria e o homem não tinha comida pra nós. Comi damascos secos que me trancaram a garganta. No dia seguinte, voltei com Fernando no carro de um dos acompanhantes da Amy. Ele dirigia com as mãos abertas, porque todos os dedos estavam cheios de esparadrapos. Aí chegamos na minha casa e a palmeira estava quebrada: prova de que eu tinha levado o azar pro grupo.

Em 2007, quando eu estava fazendo doutorado-sanduíche na Holanda e era bolsista Alßan, fui a Grenoble, apresentar o meu trabalho. Como a Europa é pequena, resolvi aproveitar a saída e conhecer a Itália. Me apaixonei pela língua, me atirei às hipóteses sobre construções e conversei com desconhecidos que riam na minha cara. No final do giro, fiquei hospedada na casa da Manoela, (então) namorada do Everal. No dia da minha partida, uma nova palavra me impôs restrições: sciopero. Greve de aeroportuários por algumas horas e eu tive que voltar de alguns trens e ônibus em muito mais horas que o planejado. Fiquei pensando: será que eu sou pé-frio? Eu viajo e...

Em novembro de 2008, participei de um Encontro Nacional de Cicloturismo e Aventura que aconteceu em Camboriú, SC. Ficamos a maior parte do tempo no hotel, porque choveu muito: tanto, que a cidade alagou, pessoas foram desalojadas e cedemos camas para cidadãos que vieram procurar abrigo no hotel. O grupo passou por uma experiência de forte união - não pelo pedal, mas pela tragédia em volta. Quando o tempo de hospedagem no hotel acabou, a água começou a baixar, mas ainda havia barreiras nas estradas, de modo que fui com um grupo de pessoas prum apartamento vazio em Balneário Camboriú, onde esperamos a situação regularizar. Pensei: olha eu entrando pro clube de cicloturismo e lá vêm as chuvas catastróficas de Santa Catarina.

Em 2012, passei em primeiro lugar no concurso para professor na UFSM. As provas tinham sido em maio, o resultado tinha saído e eu só aguardava a nomeação. Em julho teve a festa junina na UNIR e eu fui já na intenção de me despedir. Conheci o Luis na festa. Conseguimos ficar juntos, mesmo que separados pelos quilômetros. No início de 2013, no período de férias, houve o incêndio da boate Kiss. Eu não estava lá, mas fiquei pensando: quando eu mudo de lugar, acontece coisa ruim nesse lugar. Sou pé-frio?

Em fevereiro de 2014, Luis e eu retornamos (casados) a Porto Velho, RO, para as nossas vagas na UNIR. Em março foi o pico da cheia histórica do rio Madeira. Fizemos um filme sobre a cheia do Madeira e o vazio de responsabilidade pela tragédia - que venceu prêmio no Fest Cine Amazônia. Fiquei pensando que eu nunca mais poderia mudar de lugar, porque não é seguro para a cidade em que eu for me instalar.

Agnes teve a primeira infância numa casa grande, com um jardim cujos limites eram difíceis de definir. Em 2019, o proprietário decidiu vender a casa e nós não conseguimos comprar. Mudamos para um apartamento e poucos meses depois a pandemia se instalou. Essa não é a primeira mudança de casa em Porto Velho (é a minha sexta moradia nessa cidade desde 2009), mas é associada a outra situação de emergência.

Sou eu que sou pé-frio ou é o mundo que gera tragédias (de várias naturezas)? Em tempos em que os americanos sentem necessidade de ir às ruas para comemorar a eleição de um conservador, acho que eu sou irrelevante. Toda a esquerda comemora muito mais a não reeleição de Trump do que a vitória (apertada) de Biden. O discurso dele foi morno, protocolar e cheio de sorrisos tortos. Já o discurso da vice dele, Kamala Harris, foi ponta-firme, anti-Trump. As tragédias que por coincidência acompanhei de perto têm, em alguma medida, relação com o modo como o mundo é conduzido (explorado, revirado e pavimentado).

quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Meet all day long

 

Todos os gestores de órgãos ligados à Reitoria foram convocados a participar de uma reunião virtual de transição que durou o dia inteiro. A equipe que trabalhou na gestão de Ari Ott apresentou seu setor, dificuldades, avanços e legado para a reitora eleita (mas ainda não nomeada e empossada), Marcele Pereira. 

A internet oscilava, vieram eletricistas (pra trocar lâmpadas!) que desligaram a chave geral do apartamento todo, fiquei sem internet no computador e sem energia pra carregar o celular, desci pro saguão do prédio, botei o celular na tomada, o barulho na avenida invadia a reunião, vi os eletricistas indo embora, subi de novo, voltei ao computador, apresentei a EDUFRO, passou do meio-dia e os trabalhos da manhã foram encerrados. Quando saí da reunião, não tinha ninguém em casa. Luis e Agnes tinham saído e o almoço estava pronto.

Entrei uma hora atrasada na reunião da tarde porque almoço, louça e roupa no varal me tomaram esse tempo. Depois que Agnes acordou da soneca da tarde, levamos o Luis pro hotel, porque ele precisa se isolar pra terminar um projeto. E a reunião seguia pelo celular. Quando Agnes e eu chegamos em casa, a reunião seguiu pelo computador.

Adivinha o que tem na programação de hoje. Reunião de Departamento pelo Meet. Provavelmente a manhã inteira.

Home office que é mais home do que office.

domingo, 1 de novembro de 2020

Letra U de fantasma

Ouvi os gritos finos e assustados da Agnes vindo do quarto. A soneca da tarde tinha acabado. Depositei o livro na mesa, o marca-texto em cima, tirei os óculos e entrei no quarto. 

Breu profundo, exceto por uma luzinha verde. Agnes segurava um monstrinho (que tem luz na barriga) como se fosse um farol. Deitei do lado dela e ela deu a ideia de desenharmos letras no ar com a luz. Adivinhou umas, fez outras e quando a luz voltou para a minha mão, ela pediu que eu fizesse a letra U de fantasma. 

Ela não viu a minha cara de interrogação porque estava escuro demais, mas entendeu minhas reticências e explicou: o barulhinho que o fantasma faz: UUUUUU

sábado, 31 de outubro de 2020

Galeria Agnes

 

Agnes e o sol

Girafa

Lista de compras

A dentista


Papai e Agnes bebê

Alberto, o fantasminha camarada

Borboleta temerosa

Monstros

Agnes brava

Todo mundo brigando com Agnes

 

A novidade é que agora ela desenha os sentimentos dela.