segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Maravilha queimado

Eu estava em Manaus, numa sala de reuniões na Reitoria da UEA, participando do histórico primeiro Encontro Regional da ABEU Norte quando tocou o telefone. Era o Damián. Respondi por mensagem que estava em Manaus e acrescentei o telefone do meu marido. Pouco tempo depois, choveu torrencialmente em Manaus e eu invejei quem pode ver e sentir a chuva. Veio uma mensagem de audio do Luis e em seguida textos em que ele dizia que já tinha pedido ajuda para um monte de gente e instituições. Saí da sala pra ouvir o audio. O Maravilha estava pegando fogo.
Vitoria e Camila, as estagiárias da EDUFRO, antenadas nas redes sociais, recebiam e compartilhavam imagens e depoimentos do fogo em Rondônia. Começamos a ficar preocupadas com a visibilidade no aeroporto de Porto Velho. O Maravilha fica em frente ao aeroporto, na margem esquerda do Madeira. A partir das 23h, os voos meio que normalizaram. O nosso voo vinha de PVH e atrasou quase duas horas. Encontrei o Zimpel no aeroporto de MAO. O professor de Arqueologia vinha de Porto Alegre, ficou preso numa conexão em MAO e estava o pó da rabiola. Quando desembarcamos em Porto Velho, o espanto em seu rosto era comovente: que fumaça é essa, Lou!?
Seu Manel passou a noite toda molhando a casa pra se salvar do fogo
Três dias depois, Luis viajou a São Paulo e viu o céu escurecer às 15h e o céu noturno clarear. Quando São Paulo percebeu nos olhos a fumaça de Rondônia, Bolívia, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, é que houve comoção internacional e o G7 decidiu salvar a Amazônia ao invés de punir o Brasil. Um dia depois que Luis voltou pra cá, fomos todos no Maravilha, ver o estrago.
As queimadas foram criminosas, disso não resta dúvida. Foram áreas desconexas que pegaram fogo simultaneamente: ou fazendas ou áreas desabitadas, cobiçadas pelos grileiros. Na estrada da Beira, onde vivem os ribeirinhos, não há sinal de queimada. Só o pessoal da CERON que desmatou uma faixa considerável ao longo da fiação, entrando em propriedades sem pedir licença.
O fogo aconteceu nas fundiárias, ao longo da estrada - também ilegal - que abriram em 2015, depois da cheia do Madeira. Os ambientalistas todos confirmam que abrir estrada na Amazônia é abrir caminho pra conflitos. Os filhos das comunidades tradicionais vendem lotes (terrenos), os grileiros tomam posse, a própria estrada desestabiliza divisas, o pessoal toca fogo pra "limpar" terreno e fazer pasto. Ou seja, o fogo é articulado e planejado por gente que testa a força do IBAMA, da FUNAI, do Ministério do Meio Ambiente, da política nacional.
Fundiária do Jairo sapecada de fogo rasteiro
A cerca do Jairo, por exemplo, que circundava a propriedade dele na estrada por trás, sumiu até a placa. A estrada foi sendo alargada, invadindo as terras do Jairo. Aí toparam com a placa e pararam. Quando acabam as terras do Jairo e começa o terreno da vizinha, que permitiu que os filhos vendessem quase tudo, volta o fogo.
 

 
Divisa das terras da vizinha do Jairo e a floresta do Jairo
Ainda ardendo
Vimos fumaça saindo da terra: raízes queimadas soltando fumaça ainda uma semana depois do dia da queimada. Damián conta que teve duas chuvas fortes depois da queimada. A grama recuperou a cor verde, mas não exterminou completamente a brasa.
Nascente queimou
Aviões Hércules da Força Aérea sobrevoaram Rondônia ontem o dia todo, transportando água para focos de incêndio. Da ponte dava pra ver colunas de fumaça, mas desconfiamos que os aviões tenham viajado mais longe que o Maravilha.
Olho d´água virou cinza
No caminho de volta, depois de ver tanta placa anunciando a venda de lotes, nos deparamos com essa, do Seu Delmiro:

Não mexa na mandioca! Olha o chumbo!

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

1º Encontro Regional ABEU Norte

Carta de Manaus

    Após 32 anos de existência da Associação Brasileira das Editoras Universitárias (ABEU), realizamos a I Reunião Regional ABEU Norte, em Manaus (AM), nos dias 15 e 16 de agosto. Esse encontro tem seu valor não somente pelo ineditismo, mas pelo que significa reunir editoras universitárias de cinco dos sete Estados da Região Norte. Estiveram presentes representantes das editoras da Universidade do Estado Amazonas (UEA), nossa anfitriã, da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), da Universidade Federal de Roraima (UFRR), da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), da Universidade Federal do Tocantins (UFT) e da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA).
    O encontro trouxe a energia da convergência dos saberes amazônicos sobre a editoração de livros no âmbito universitário. Esse saber coletivo foi mobilizado para lidar com assuntos gerais que afetam praticamente todas as editoras universitárias do país, mas também, e principalmente, para olhar de forma diferenciada as problemáticas muito particulares das editoras que atuam na Região Norte, problemáticas estas trazidas à tona para reflexão a partir do que foi posto no encontro pelo vice-presidente de nossa Associação, Marcelo Luciano Martins Di Renzo, a quem agradecemos vivamente. Nós, editores da Região Norte, temos sonhos e pesadelos muito parecidos.
    Dentro do contexto socioeconômico e político por que passa o país e atinge as universidades com um todo e mais particularmente as editoras universitárias, algumas questões surgiram, outras se aguçaram. Todas elas, no entanto, parecem ser perpassadas por uma palavra que sustenta as dificuldades diagnosticadas: distância.
    A distância parece ser uma questão relevante e central na compreensão do cenário e na organização e articulação das ações. Ela se espalha em vários aspectos e espectros do nosso fazer editorial. Há a distância geográfica da Região Norte, que nos isola do que acontece no eixo Sul-Sudeste do país e nos gera, às vezes, um sentimento de deslocamento em algumas discussões nacionais pelo distanciamento do que é discutido em relação à nossa realidade. Há a distância posta entre as editoras e o seu público, tanto interno quanto externo: a distância entre a editora e o autor, a distância entre a editora e o seu leitor, a distância entre o autor e seus público-alvo. Há também, com bastante recorrência, a distância institucional que há entre as editoras e os demais segmentos e setores dentro da sua própria universidade, que compreendem as editoras de formas diversas e diferenciadas, muitas vezes dificultando a própria interlocução institucional.
    Enfim, são as distâncias os grandes desafios. Pensar políticas e práticas editoriais que encurtem essas distâncias em uma sociedade cada vez mais ligada em rede e erguida sob o signo da colaboração e cooperação foi o que se apresentou, em nosso encontro, como mote organizador dos trabalhos a serem feitos. Essa preocupação passa por pensar nossas práticas ligadas à escuta do global, do que fazem as editoras universitárias em outras regiões, mas ao mesmo tempo articulá-las com o local, com o regional, com as vicissitudes particulares de cada uma de nossas editoras do Norte.
    Em função disso, apontamos neste documento para o necessário papel de protagonismo das editoras da Região Norte na próxima reunião da ABEU, a ser realizada em Manaus, em 2020. Convocamos as demais editoras coirmãs a pensar conosco a problemática da distância e seus desdobramentos para que possamos, dessa forma, com a expertise de quem já andou mais do que nós e com o desejo imenso de caminhar de quem não andou tanto, exercer o compromisso de devolver à sociedade, em forma de livros, todo investimento feito na ciência, na pesquisa e na produção intelectual que almejam, em última instância, a melhoria da qualidade de vida de todos nós, privilegiando a ética e a cultura da paz e do bem coletivo e a estética de uma vida bonita. É o nosso desafio cotidiano. É um desafio do tamanho da Amazônia. Mas o sonho de fazer e acertar também o é. Temos a certeza de que somente juntos conseguiremos dar um passo além. E um passo que se dá, temos igualmente a certeza, já nos coloca em outro lugar. Caminhemos, pois.

Manaus, 16 de agosto de 2019

quarta-feira, 14 de agosto de 2019

segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Quando o rio vira parede

O rio Madeira já é parede em dois lugares: nas usinas de Santo Antônio e Jirau. Agora, no tempo da seca e queimadas, o rio virou também uma parede visual.

Damián, que mora na beira do rio, diz que até 10h da manhã não consegue ver a outra margem do rio. Marcela Bonfim, que mora na outra margem, diz que tem dia que não dá pra ver nem o rio: só fumaça.
A poluição aqui no Norte deve estar pior que em São Paulo.

quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Passarinho vermelho

Todo ano ele vem e passa o período de seca aqui, no nosso jardim. Ao redor, a vegetação está marrom; no jardim, anéis verdes circundam as plantas que plantamos. O ar tem cheiro de fumaça e se faz visível. De tanto ver a fumaça no ar, não conseguimos ver ao longe. O sol fica vermelho, a lua fica laranja: é a fumaça. O INPE apresenta dados de desmatamento da Amazônia, mas não fica evidente que o desmatamento não é corte de árvores, mas sua queimada. No nosso jardim, o passarinho vermelho reencontra seu lugar no cajueiro, na mangueira e na aceroleira.
O que a câmera me mostra é surpreendente: a penugem está um tanto estropiada. Mas eu sei que é ele que volta todo ano e ele sabe que nos alegramos com sua presença. Enquanto estivermos aqui, o jardim continuará verde apesar da seca. Os primeiros cajus são dele, as acerolas azedas também.

terça-feira, 6 de agosto de 2019

Continuidade

A fragilidade do homem era tocante. Milhões de anos de evolução desembocando em seres incrivelmente não adaptados ao ambiente do planeta, como demonstrava nosso sofrimento diante de mínimas alterações de temperatura ou falta de substâncias, uma vulnerabilidade humilhante a todo tipo de condição atmosférica, exposição a outros materiais e organismos, pra não falar na ainda mais humilhante vulnerabilidade da nossa mente a qualquer baboseira, à ansiedade, à esperança. Éramos inadequados àquela natureza. Não espantava que desejássemos destruí-la. (p. 19)

[...] não havia sol o bastante para todos, a distribuição de amor é totalmente desigual, a sensação de que alguém depende de você, a sensação de que você está fracassando. A sensação de que na vida restam poucas coisas pelas quais devemos lutar; uma vez que se conquista algo, resta pouca coisa a se fazer. A sensação de inutilidade, do fim do mundo se aproximando, de não enxergar propósito na vida dos outros, todo mundo fazendo o que dá vontade de fazer, sem participarmos de um propósito único em direção ao qual caminhamos. (p. 284)

[...] eu tinha marchado pelas avenidas de São Paulo com um grupo de amigos da universidade e me deixado levar pela catarse da multidão e seus gritos de guerra apartidários contra a Copa do Mundo, a corrupção, os buracos sanguinolentos feitos pelas balas de borracha da polícia nas costas, nos braços, nos olhos de manifestantes. Por alguns dias, houve a impressão de que seria possível mudar alguma coisa. [...] e ao chegar em casa, fui tomada por uma sensação de futilidade e desperdício. Tive a convicção de que nada mais iria mudar, que nada mais podia mudar. (p. 132-133)

De que forma eu fui amaldiçoada? Eu não fui. Sempre tive a sorte a meu lado, apesar de nunca ter realizado boas ações. (p. 296)

Os anos passaram e, a partir de certo ponto, não saber o que fazer da vida passou a ser ruim, e havia algo muito pior, que era não querer fazer mais nada. (p. 29)


Estes são trechos de dois livros muito diferentes entre si, mas que se tocam em alguns pontos: os dois autores têm quase a mesma idade, estão imersos num sentimento de pós-catástrofe despercebida e escrevem predominantemente a partir de si mesmos. Sheila Heti escreve em primeira pessoa sobre escrever e a recusa de ter filhos; Daniel Galera dá voz a três personagens que narram alternadamente em primeira pessoa, dissolve elementos autobiográficos entre os quatro personagens principais e mata o escritor. Enquanto a autora canadense mergulha em questões morais e sociais acerca da procriação (se uma mulher decide não ter filhos, ela precisa ter um plano incontestavelmente genial que justifique não ter filhos/ uma mulher sem filhos é vista como um homem sem trabalho), o autor gaúcho explora a continuidade da vida virtual no espaço cibernético (o escritor morreu e a namorada se esforça para apagar seus perfis nas tantas redes sociais). Dos trechos acima, os em bordô são da mulher de meia-idade que escolheu o parceiro pra vida, mas não consegue se imaginar mãe. Em verde estão os trechos de Aurora, a bióloga "acuada entre promessas não cumpridas e anseios apocalípticos [...] diante de um mundo que se dissolve diante de seus olhos". Aurora pagou por um aborto, a narradora de Sheila Heiti toma pílulas do dia seguinte.

Os personagens podem morrer, interromper vidas ou evitar de criar novas vidas, mas os livros dos autores (e ambos fazem um trabalho metalinguístico) lhes esticam a continuidade, prolongam suas vidas, ecoam seus registros por gerações futuras: o livro é semente.

domingo, 4 de agosto de 2019

Flor do Maracujá

Flor de maracujá azedo da nossa pérgola
Dizem que a festa da Flor do Maracujá tem esse nome porque, nessa época, a passiflora é a única aberta aqui no Norte. Não é bem verdade: os ipês (especialmente os amarelos) brilham em sua exuberância, as sucupiras não ficam atrás.
Últimos raios de sol na flor do maracujá
Aqui em casa a única flor memorável (fora o hibisco e as lágrimas de cristo que parecem não ser sazonais) é a flor do maracujá. E veja como a pérgola foi tomada pelo maracujá (que avança em direção ao telhado da casa) nesse último ano:
Pérgola em maio de 2018

Pérgola agora
Hoje encerra a festa da Flor do Maracujá. Nem Agnes nem eu conhecíamos a festa popular, então fomos ver a apresentação das crianças, que abre a noite.
De todas as idades, desempenhavam diferentes papéis. Ao longo de 43 minutos e ao som de música cantada e tocada ao vivo por crianças, diferentes personagens entravam em cena: a menina-árvore coberta de folhas verdes, as meninas-estrela, os índios, a noiva, o boi, o bêbado, o padre e tantos outros.
Agnes gostou muito da apresentação, queria dançar junto, não entendia por que não podia passar da grade e mostrar os seus talentos também.
Depois que fomos embora, outras modalidades de apresentação ocorreram. É uma festa que começa tarde e segue noite adentro. Pra nossa surpresa, não pagamos ingresso (só estacionamento).
Flor de maracujá doce da nossa pérgola

quinta-feira, 1 de agosto de 2019