sábado, 23 de junho de 2018

Superstição

Não somos supersticiosos, mas coincidiu umas quatro vezes de acontecer gol justo quando Luis saía da sala. Final de jogo, Alemanha empatada, com risco de ser eliminada. Luis anunciou que sairia. E foi gol. Não somos supersticiosos, mas a Alemanha deve a vitória de hoje ao meu marido. E foi assim que aconteceu, eu vi com os meus olhos.

quarta-feira, 20 de junho de 2018

Friagem

Esta é a quarta friagem do ano. Ventos polares sobem até aqui e esfriam essa terra. O que a gente percebe é o frio de manhã, o vento incessante de noite (normalmente vento é indicador de chuva, mas nesse tempo frio não chove, só venta) e a gripe se agarrando na garganta.

Período de chuva até abril e quatro friagens no primeiro semestre. O clima aqui está mudando.

sábado, 9 de junho de 2018

Galinhas

Um dia, Luis chegou aqui em casa com um patinho amarelo. Agnes e eu nos alegramos, mas ele ficou a noite inteira grasnando na nossa janela, desesperado. Na manhã seguinte, Luis levou o pato embora e o trocou por uma galinha. 

Os porquinhos da índia tiveram que aprender a conviver com a galinha, que sempre disputava comida com eles e os botava pra correr. Agora eles pararam de se multiplicar e estão apenas gordos, comendo e cavando túneis na grama cortada que o Luis coleta no condomínio e joga pra eles.
Orelinha rosa é a mãe dos dois;
o albino é macho e come de olhos fechados mesmo
Aí essa galinha passou a querer entrar em casa pelas janelas. No começo, ficava só na janela, depois resolveu conhecer a impressora, o escritório, a estante de livros, o corredor da casa. Eu botava ela pra fora pela janela, ela voltava. Não fugia, se deixava pegar, como se essa fosse a brincadeira. Agnes podia fazer carinho na galinha e ela nos seguia. Ela bota ovo dia sim, dia não. Quando Luis viaja, ela deixa de botar ovo - não importa quanto tempo ele fique fora. 

Luis achou essa galinha muito carente e arrumou uma codorna. A codorna era muito tímida e ficava o dia inteiro parada na parede. Quando a gente achou que a codorna tinha sumido, veio outra codorna. Até que, num dia de chuva, identifiquei a primeira codorna se mexendo no cantinho. Depois de um tempo, a primeira sumiu, a segunda também. E a galinha voltou a querer compartilhar da nossa vida dentro de casa. Cacarejava e cantava de galo, em alta crise de identidade. Conhece todo o terreno a que tem acesso, escolhendo lugares específicos para atividades particulares: dorme empoleirada perto da janela (pallets velhos viraram poleiros), o banheiro é no poleiro da outra janela, a banheira de poeira é no canto do muro, os ovos são depositados ou na caminha de grama que Luis fez pra ela num canto em que venta pouco, ou embaixo do poleiro onde ela dorme.

Galinhas são animais gregários, disse o Luis e voltou na loja que lhe havia vendido o pato, as codornas e a galinha. Escolheu uma galinha japonesa, chamada Nagasaki. Todos na loja se despediram da Nagasaki e lhe desejaram boa sorte. Disseram que ela não bota ovo, mas se botar, é um ovo vermelho.
No primeiro dia, as duas se estranharam bastante. A galinha botava a Nagasaki pra correr, não deixava ela comer nem descansar. Observando as duas, era evidente como a galinha estava acostumada a ciscar e caçar pequenos insetos. A Nagasaki passeava pelo terreno, mas não usava as pernas pra revirar o solo. Gostava de frutas e se mantinha em movimento o dia todo, apesar de nunca ter dado a volta na casa. Conhece a parte da casa que os porquinhos da índia também conhecem.

Aí o Luis observou que a galinha limpava as penas da outra, que elas andavam juntas e que a Nagasaki aprendeu a ciscar. Não houve mais tentativas de entrar na casa pela janela e os porquinhos da índia passaram a se interessar pela comida das galinhas. Quando Luis viaja, tomo sustos à noite, com as galinhas empoleiradas na janela do escritório dele batendo no vidro.

domingo, 3 de junho de 2018

Negociação de sentidos

Lidando com pessoas afásicas, aprendi que os sentidos são negociados. A figura do ouvinte não é passiva, mas chamada a colaborar com o falante na construção de sentidos.

Por outro lado, muitas vezes responder com ahã para enunciados incompreensíveis ajuda ao sujeito afásico a não ter que refazer seu enunciado. O ouvinte dá ao falante afásico a impressão de que foi compreendido, o que às vezes é uma grande recompensa. Durante a conversa, o ouvinte vai juntando pistas do que pode ter sido aquilo que ele não insistiu em "clarear".

Agnes não é afásica, mas às vezes fala coisas bastante obscuras. Às vezes eu digo ahã, às vezes eu pergunto se concordamos acerca do sentido. Até há pouco, quando eu perguntava ou repetia o que eu tinha ouvido mas não entendido, ela repetia o que tinha dito, com pronúncia mais cuidada. Normalmente isso bastava. O exemplo mais memorável desse processo é

bedêdsi > obedece? ... bedêdi > band-aid? SIM!!

Na nossa última negociação de sentidos, Agnes mobilizou o cenário em que ocorre o objeto que ela queria. Estávamos no estacionamento, entrando no carro. Ela disse:

eu qué leissinho > lencinho? ... geladêla! > leitinho? SIM!!!

Eu achei genial como ela insistiu em ser compreendida. Fiquei até pensando nas 3 posições da criança em relação à linguagem, segundo Claudia Lemos. Até onde estudei Aquisição de Linguagem, os nomes das posições não significam que acontecem numa dada sequência, apenas indicam ausência de nome melhor.

1 posição: a criança incorpora em sua fala fragmentos da fala do outro (que barulho é esse? fala comigo. Agnes diz essa sequência em bloco)
2 posição: a criança dobra, experimenta, mastiga e deforma a língua (eu fazei/ círculololô)
3 posição: a criança se posiciona em relação aos próprios enunciados (eu disse/ eu perguntei/ eu quis dizer), ou seja, usa a metalinguagem.

No exemplo da geladeira, Agnes não usou a metalinguagem, mas percebeu que a linguagem usada por ela foi um mistério pra mim, portanto era preciso reformular.