Umberto Eco trata, entre outros assuntos, do tempo da narrativa em Seis passeios pelo bosque da ficção. Algumas narrativas são rápidas e exigem do leitor o preenchimento das lacunas. Outras são lentas, preenchendo todas as lacunas que o leitor sequer enxerga. Para ilustrar uma narrativa absurdamente lenta, ele traz um exemplo de narrativa (não lembro de quem) em que um homem pede a um cocheiro que o leve a um lugar, mas não pode revelar que lugar é esse, pois está numa missão secreta. O cocheiro pressiona, ele revela o nome do lugar. Dada a hora, o cocheiro se recusa a levá-lo naquele dia, porque o destino é longe. Combinam de se encontrar na manhã do dia seguinte, no mesmo local. Ao se despedir, o homem lembra ao cocheiro de trazer a carroça. E o cavalo!
Dizer essas obviedades causa um efeito de absurdo (eu ri pacas lendo o trechinho). Mas se os personagens e o cenário fossem diferentes, dizer obviedades pode provocar ambiguidades. Eis o cenário que imaginei:
Joaquina bateu na porta do ateliê do artista plástico. Ouviu o som dos seus ossos batendo na madeira e sentiu a dor da expectativa. Do outro lado da porta, ouviu-se um ruído. A mulher não entendeu as palavras, mas concluiu que era um ruído humano. Forçou a maçaneta e entrou.
Durval estava sentado numa cadeira de balanço perto da janela, fumava cachimbo e se balançava. Joaquina identificou o artista e passeou os olhos pelo recinto. Havia quadros, tintas, telas, cavaletes, mesas, tecidos e cacarecos por toda parte. Tudo era colorido, misturado e desencontrado: parecia não haver qualquer possibilidade de ordem ali.
Sem demonstrar qualquer reação, o pintor encarou a mulher. Ela explicou o motivo de sua visita. Queria encomendar um quadro.
- Sim, mas que tipo de quadro?
- Não posso falar.
- Como não?
- Tenho vergonha.
Durval reacendeu o cachimbo, deu duas baforadas e esperou. Como ela não levantava o olhar, arriscou:
- Entendo. Trata-se de um retrato da senhora?
- Sim.
- Muito bem. Sinta-se à vontade. Como vai ser?
- Mas não pode ser aqui. Não posso posar aqui para o senhor.
- Sem problema. Onde vai ser, então?
- No jardim japonês.
- Pois não.
- Podemos combinar na ponte perto do sino amanhã às 9 da manhã?
Durval pensou um pouco sobre sua agenda livre e acenou.
- Combinado.
- Então nos vemos amanhã. E não se esqueça de trazer a tela, pincéis e tintas!
quarta-feira, 25 de julho de 2012
terça-feira, 24 de julho de 2012
O dia em que choveu
Em Amazônia de Euclides, Daniel Piza relata a experiência de refazer a viagem de Euclides da Cunha pelo rio Purus, no Acre. O jornalista chama atenção para duas entradas inusitadas e muito reveladoras no diário de marcha de Euclides.
Em 13 de maio de 1905 lê-se:
"Fato singular, não havia absolutamente carapanãs [= mosquitos] neste ponto, de modo que passamos uma bela noite." (p. 152)
Em 14 de maio lê-se:
"Passamos também neste ponto uma esplêndida noite devido à ausência completa de carapanãs." (p.152)
No meu diário de bordo pessoal (e público) consta, pois a seguinte entrada:
Ontem choveu em Porto Velho.
Toda a terra que havia se alojado durante mais de mês em forma de poeira no topo dos objetos desceu com a chuva. A primeira água que escorria dos objetos era marrom, devolvendo a terra à terra em forma de lama.
Em 13 de maio de 1905 lê-se:
"Fato singular, não havia absolutamente carapanãs [= mosquitos] neste ponto, de modo que passamos uma bela noite." (p. 152)
Em 14 de maio lê-se:
"Passamos também neste ponto uma esplêndida noite devido à ausência completa de carapanãs." (p.152)
No meu diário de bordo pessoal (e público) consta, pois a seguinte entrada:
Ontem choveu em Porto Velho.
Toda a terra que havia se alojado durante mais de mês em forma de poeira no topo dos objetos desceu com a chuva. A primeira água que escorria dos objetos era marrom, devolvendo a terra à terra em forma de lama.
segunda-feira, 23 de julho de 2012
Tudo fora do lugar
Marcelo costumava dizer que, especialmente na cozinha, as coisas tinham ímã. Por mais que ele deixasse as coisas largadas pela cozinha, elas sempre voltavam ao seu lugar. Mudava as coisas de lugar pra medir quanto tempo eu demorava pra realocar tudo.
Como a casa que ocupo está à venda (só azar com casa em Porto Velho!), achei melhor pintar logo, antes que reclamem das pegadas de gatos nas paredes. E aí tudo mudou de lugar mesmo. Nesse exato momento, por exemplo, todo o conteúdo do guarda-roupa está em cima da cama (a foto foi tirada enquanto os pintores almoçavam. Depois que voltaram, o cenário evoluiu).
domingo, 22 de julho de 2012
sábado, 21 de julho de 2012
Gafanhotos
O jardineiro chegou afobado, tropeçando e derrubando coisas. Naquela semana em que ele não tinha ido ao jardim, a terra tinha secado e rachado. As folhas de muitas plantas estavam amareladas, havia frutas podres esturricando nos pés. A vida no jardim se arrastava, minguando.
Tratou logo de regar tudo. Quando o cheiro de terra molhada invadiu suas narinas, conseguiu se acalmar. Quando o sentimento de culpa pela negligência do jardim foi lavado pela mangueira que segurava na mão, começou a organizar o discurso que faria.
Depois que as plantas tinham se saciado e as borboletas todas tinham mudado de lugar, o jardineiro começou a explicar onde tinha estado naquela semana. Tinha ido a outro jardim, muito mais moderno e desenvolvido. Relatou as maravilhas que as máquinas podiam fazer. Falou do cansaço que sentia, da dor nas costas que o trabalho automatizado poderia lhe poupar. Cantou números, prometeu progresso, contabilizou facilidades, contou piadas de mau gosto.
Todos os passarinhos silenciaram. Todos os insetos se aglomeraram aos pés do jardineiro. Como girassóis, todas as folhas e flores se voltaram na direção do homem que sonhava em voz alta com o conforto individual. Todos os seres viventes no jardim observaram que um inseto feio e desconhecido pousou no ombro do jardineiro. À medida que ele chacoalhava o corpo, rindo das próprias piadas, mais e mais gafanhotos pousavam em seus ombros.
Os gafanhotos olhavam para o jardim e seus habitantes. Seus olhos erráticos e inescrutáveis calculavam populações, anteviam pavimentos, vozes mecanizadas, fontes automatizadas e sombras artificiais. O jardineiro já estava inebriado, e em seu torpor, não via mais o jardim nem aqueles que foram seus companheiros durante anos. Pediu às flores que perfumassem o ambiente para impressionar as visitas, ordenou às abelhas que polenizassem as flores às pressas, mandou as árvores se balançarem sem vento.
Os passarinhos foram os primeiros a sair do estado de choque. Avançaram sobre os gafanhotos, mas logo perceberam que suas carapaças eram escudos e suas patas ágeis eram espadas. Queriam arrancar o jardineiro das garras dos gafanhotos, mas ele se sentiu atacado pelos pássaros.
As árvores mais altas viram que no horizonte se formava uma nuvem densa. Alertaram os outros no jardim, mas ninguém se mexeu. A nuvem crescia, ofuscando o sol nascente. As plantas não podiam se desenraizar. Os animais se confundiam tanto com a terra e as plantas - que eram suas moradias - que todos circundaram o jardineiro e esperaram a nuvem de gafanhotos devastar o lugar.
Tratou logo de regar tudo. Quando o cheiro de terra molhada invadiu suas narinas, conseguiu se acalmar. Quando o sentimento de culpa pela negligência do jardim foi lavado pela mangueira que segurava na mão, começou a organizar o discurso que faria.
Depois que as plantas tinham se saciado e as borboletas todas tinham mudado de lugar, o jardineiro começou a explicar onde tinha estado naquela semana. Tinha ido a outro jardim, muito mais moderno e desenvolvido. Relatou as maravilhas que as máquinas podiam fazer. Falou do cansaço que sentia, da dor nas costas que o trabalho automatizado poderia lhe poupar. Cantou números, prometeu progresso, contabilizou facilidades, contou piadas de mau gosto.
Todos os passarinhos silenciaram. Todos os insetos se aglomeraram aos pés do jardineiro. Como girassóis, todas as folhas e flores se voltaram na direção do homem que sonhava em voz alta com o conforto individual. Todos os seres viventes no jardim observaram que um inseto feio e desconhecido pousou no ombro do jardineiro. À medida que ele chacoalhava o corpo, rindo das próprias piadas, mais e mais gafanhotos pousavam em seus ombros.
Os gafanhotos olhavam para o jardim e seus habitantes. Seus olhos erráticos e inescrutáveis calculavam populações, anteviam pavimentos, vozes mecanizadas, fontes automatizadas e sombras artificiais. O jardineiro já estava inebriado, e em seu torpor, não via mais o jardim nem aqueles que foram seus companheiros durante anos. Pediu às flores que perfumassem o ambiente para impressionar as visitas, ordenou às abelhas que polenizassem as flores às pressas, mandou as árvores se balançarem sem vento.
Os passarinhos foram os primeiros a sair do estado de choque. Avançaram sobre os gafanhotos, mas logo perceberam que suas carapaças eram escudos e suas patas ágeis eram espadas. Queriam arrancar o jardineiro das garras dos gafanhotos, mas ele se sentiu atacado pelos pássaros.
As árvores mais altas viram que no horizonte se formava uma nuvem densa. Alertaram os outros no jardim, mas ninguém se mexeu. A nuvem crescia, ofuscando o sol nascente. As plantas não podiam se desenraizar. Os animais se confundiam tanto com a terra e as plantas - que eram suas moradias - que todos circundaram o jardineiro e esperaram a nuvem de gafanhotos devastar o lugar.
quarta-feira, 18 de julho de 2012
Mais Mia
"O amor vicia mesmo antes de acontecer. Isso aprendi."
COUTO, M. Antes de nascer o mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 257.
COUTO, M. Antes de nascer o mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 257.
terça-feira, 17 de julho de 2012
Cicloturista
Eu tinha deixado a Amarilda na Unir campus de ontem pra hoje. Quando quis resgatá-la, vi que o pneu de trás estava murcho. Virei a bicicleta de ponta cabeça e fiz os procedimentos: abrir os freios, soltar a roda, procurar as ferramentas e câmara reserva. Achei a câmara na bolsinha que fica embaixo do selim, mas não achei as espátulas, remendos, cola, lixa etc. Não que eu precise de espátulas pra tirar o pneu, mas foi nesse momento que dei pela falta das ferramentas. Um professor de Filosofia passou por mim, nem se ligou que eu estava ocupada e comentou que seus sobrinhos são ciclistas. Enquanto eu procurava pelo objeto perfurante no pneu, outro professor, de Educação Física, parou do meu lado. Avisei que eu sabia trocar pneu, que não precisava se preocupar comigo.
Quando cheguei em casa, quis remendar a câmara furada. Não achei, em casa, nas coisas de bicicleta, as coisas que precisava. Mesmo assim, enchi a câmara, pra ver o rasgo. Rasgo nenhum.
Quando vi o pneu baixo, não me passou pela cabeça que o pneu tinha sido esvaziado. Eu devia ter lembrado que deixar a bicicleta muito tempo em lugar público pode acarretar pneus murchos ao invés de furados. No meu manual de cicloturista faltava essa informação.
Outra coisa de cicloturista é deixar coisas (bomba, caramanhola, ferramentas) na bicicleta. Perdi coisas que me salvariam numa cicloviagem. E justamente por acreditar que me salvariam, sempre andavam comigo.
Liguei pra bicicletaria do Bezerra e perguntei se o óleo Finish Line que ele tinha pedido já tinha chegado. Aproveitei pra perguntar se ele tinha chave de raio, chave de corrente, canivete com chaves allen, espátulas, remendo e cola. Ele só tinha a chave de corrente, e achou estranhíssimo que eu, enquanto usuária, quisesse ter uma também. Eu, por minha vez, fiquei escandalizada com o fato de ele não ter remendos ou cola: como é que vocês remendam câmara aí? Respondeu que eles não remendam, mas trocam.
Ainda vou correr atrás das ferramentas que perdi, mesmo que nunca as tenha usado. Elas me dão a sensação de autonomia, indispensável para qualquer cicloturista.
Quando cheguei em casa, quis remendar a câmara furada. Não achei, em casa, nas coisas de bicicleta, as coisas que precisava. Mesmo assim, enchi a câmara, pra ver o rasgo. Rasgo nenhum.
Quando vi o pneu baixo, não me passou pela cabeça que o pneu tinha sido esvaziado. Eu devia ter lembrado que deixar a bicicleta muito tempo em lugar público pode acarretar pneus murchos ao invés de furados. No meu manual de cicloturista faltava essa informação.
Outra coisa de cicloturista é deixar coisas (bomba, caramanhola, ferramentas) na bicicleta. Perdi coisas que me salvariam numa cicloviagem. E justamente por acreditar que me salvariam, sempre andavam comigo.
Liguei pra bicicletaria do Bezerra e perguntei se o óleo Finish Line que ele tinha pedido já tinha chegado. Aproveitei pra perguntar se ele tinha chave de raio, chave de corrente, canivete com chaves allen, espátulas, remendo e cola. Ele só tinha a chave de corrente, e achou estranhíssimo que eu, enquanto usuária, quisesse ter uma também. Eu, por minha vez, fiquei escandalizada com o fato de ele não ter remendos ou cola: como é que vocês remendam câmara aí? Respondeu que eles não remendam, mas trocam.
Ainda vou correr atrás das ferramentas que perdi, mesmo que nunca as tenha usado. Elas me dão a sensação de autonomia, indispensável para qualquer cicloturista.
Story of change
O novo filme da equipe Story of stuff está no ar aqui:
http://www.storyofstuff.org/movies-all/story-of-change/
http://www.storyofstuff.org/movies-all/story-of-change/
segunda-feira, 16 de julho de 2012
sábado, 14 de julho de 2012
Compartilhar a faixa
Porto Velho é uma cidade bem mal servida de ciclofaixas e ciclovias.
Na cidade, tem uma única ciclofaixa (a separação é resolvida por uma faixa pintada no chão) na Av. Raimundo Cantuária. Quando a Raimundo Cantuária desemboca na Nações Unidas, a faixa se desfaz. É comum que haja carros estacionados na ciclofaixa e motos transitando nos dois sentidos.
Tem também uma ciclovia (segregando o tráfego dos ciclistas) que começa no meio da Estrada de Santo Antônio e vai até o cemitério. Como não tem manutenção, é intransitável.
Com tão poucas opções para trafegar em segurança, o ciclista é obrigado a compartilhar a faixa com os veículos motorizados. E compartilhar a faixa significa submeter-se às regras de trânsito. Por mais estranho que pareça, vejo mais ciclistas pedalando na contramão ou calçada em São Paulo do que aqui. Suspeito que esse comportamento tenha a ver com o sentimento de ser minoria ou não. Aqui há muitos ciclistas, porque aqui bicicleta é coisa de pobre. E pobre (ciclista) não é minoria aqui.
Não tenho medo de pedalar no trânsito daqui. Procuro antever fechadas e finas, ocupo o meu lugar na faixa, me posiciono à vista do motorista. Mas, nessa disputa por espaço que é o trânsito compartilhado, acontecem fatos marcantes.
Eu tava parada no farol, corpo na altura da frente de uma pickup. Farol fechado, o cara avança o carro. Olhei na direção do motorista, vi vidros escuros. Avançou mais, até a frente do carro dele emparelhar com o meu guidão. Medi a distância de 15 cm entre o meu guidão e a lataria do carro dele e ostensivamente mostrei aquela distância pro motorista. Parou de avançar. Quando o farol abriu, ele esperou eu sair primeiro.
Na outra situação, parei no farol, no meio da faixa, antes da faixa de pedestres. Estando no meio da faixa, só moto ou bicicleta poderia emparelhar comigo. Um carro parou atrás de mim. Mas parou pousando, não foi nada devagar. O farol de lá abria, o fluxo diminuía e o motorista atrás de mim viu a possibilidade de furar o farol. Buzinou. Ignorei, olhando pro farol fechado. Eis que de trás ouço um "querida" e "meu amor". Não era comigo. Jura que ele ia me pedir pra dar uma licencinha? Ignorei, observando o quarto tempo do farol. Quando o farol de lá ficou amarelo, me preparei para pedalar. O motorista atrás de mim decolou soltando vento turbinado. Passou muito rápido muito perto de mim, com muito rancor no coração.
Com motoristas desse naipe, que se enxergam como mais gente que os outros quando estão em seus carros caros, é difícil compartilhar a faixa.
Na cidade, tem uma única ciclofaixa (a separação é resolvida por uma faixa pintada no chão) na Av. Raimundo Cantuária. Quando a Raimundo Cantuária desemboca na Nações Unidas, a faixa se desfaz. É comum que haja carros estacionados na ciclofaixa e motos transitando nos dois sentidos.
Tem também uma ciclovia (segregando o tráfego dos ciclistas) que começa no meio da Estrada de Santo Antônio e vai até o cemitério. Como não tem manutenção, é intransitável.
Com tão poucas opções para trafegar em segurança, o ciclista é obrigado a compartilhar a faixa com os veículos motorizados. E compartilhar a faixa significa submeter-se às regras de trânsito. Por mais estranho que pareça, vejo mais ciclistas pedalando na contramão ou calçada em São Paulo do que aqui. Suspeito que esse comportamento tenha a ver com o sentimento de ser minoria ou não. Aqui há muitos ciclistas, porque aqui bicicleta é coisa de pobre. E pobre (ciclista) não é minoria aqui.
Não tenho medo de pedalar no trânsito daqui. Procuro antever fechadas e finas, ocupo o meu lugar na faixa, me posiciono à vista do motorista. Mas, nessa disputa por espaço que é o trânsito compartilhado, acontecem fatos marcantes.
Eu tava parada no farol, corpo na altura da frente de uma pickup. Farol fechado, o cara avança o carro. Olhei na direção do motorista, vi vidros escuros. Avançou mais, até a frente do carro dele emparelhar com o meu guidão. Medi a distância de 15 cm entre o meu guidão e a lataria do carro dele e ostensivamente mostrei aquela distância pro motorista. Parou de avançar. Quando o farol abriu, ele esperou eu sair primeiro.
Na outra situação, parei no farol, no meio da faixa, antes da faixa de pedestres. Estando no meio da faixa, só moto ou bicicleta poderia emparelhar comigo. Um carro parou atrás de mim. Mas parou pousando, não foi nada devagar. O farol de lá abria, o fluxo diminuía e o motorista atrás de mim viu a possibilidade de furar o farol. Buzinou. Ignorei, olhando pro farol fechado. Eis que de trás ouço um "querida" e "meu amor". Não era comigo. Jura que ele ia me pedir pra dar uma licencinha? Ignorei, observando o quarto tempo do farol. Quando o farol de lá ficou amarelo, me preparei para pedalar. O motorista atrás de mim decolou soltando vento turbinado. Passou muito rápido muito perto de mim, com muito rancor no coração.
Com motoristas desse naipe, que se enxergam como mais gente que os outros quando estão em seus carros caros, é difícil compartilhar a faixa.
terça-feira, 10 de julho de 2012
1+1
Eu era uma só.
Quando ele veio, virei dois:
Dois que viram um caminho
Pra se transformarem em um.
Quando ele veio, virei dois:
Dois que viram um caminho
Pra se transformarem em um.
sábado, 7 de julho de 2012
UNIR 30 anos: música
Pirarublue no Mercado Cultural |
Arraiá com quadrilha na Unir-Centro |
quinta-feira, 5 de julho de 2012
UNIR 30 anos
A UNIR foi fundada em 1982. O estado de Rondônia foi criado em 1981: antes disso era território federal e chamava Guaporé. A fundação do estado e da única universidade pública do estado andam juntas. E os companheiros também.
Para hoje e amanhã, existe uma agenda especial de comemorações dos 30 anos da UNIR. Em plena greve, haverá palestras, apresentações e intervenções. As palestras - por serem palestras - são mormente voltadas para o público acadêmico, apesar de girarem sobre assuntos de pouco interesse acadêmico: história e estórias da UNIR, a importância da UNIR para a sociedade rondoniense e por aí vai. Todavia, a sociedade se fez presente na comemoração dos 30 anos da UNIR: a marcha de agricultores que tinha fechado a BR na altura de Cacoal chegou aqui empunhando cruzes.
Quem viu os manifestantes chegando, ficou impressionado. Denunciavam os assassinatos no campo e a urgência de uma revolução agrária. Quando fizemos a greve de 2011 contra a corrupção na UNIR, todos esses movimentos sociais organizados (campesinos, atingidos por barragem, sindicatos vários) nos apoiaram. Nada mais feliz que a coincidência de eles virem manifestar sua indignação na abertura da festa de 30 anos da UNIR.
Manifestantes em frente ao Palácio do Governo |
Reitoria da Unir ao fundo |
quarta-feira, 4 de julho de 2012
Isso é arte
A estória me voltou esses dias, mas o fato se deu muito tempo atrás. Eu estava na Unicamp, cursando uma disciplina de Estética no IFCH (mais especificamente na Filosofia, com Marcos Nobre - eh, saudade), outra disciplina de Estética no IA (Artes Plásticas) e uma terceira disciplina de Estética no IEL (na Letras). Na Letras, o texto-base era um do Bakhtin, sobre responsabilidade/respondibilidade. Ainda no início do curso, o professor (Wanderley Geraldi) nos perguntou quando foi a primeira vez em nossas vidas que tínhamos ouvido a sentença: "Isso é arte!"
Não me manifestei na hora, mas conto aqui o que me veio na lembrança. A primeira vez que eu ouvi alguém dizer "Isso é arte!", eu ainda era criança. A pessoa que disse isso era colega da minha mãe, outro artista plástico. Ele tinha vindo em casa, viu uma folha colorida e exclamou: Isso é arte!
O que ele segurava na mão era um desenho meu. Acho que a minha mãe ainda tem o desenho infantil, meio desbotado, mas ainda todo preenchido de cor. Não sei ao certo o que o artista plástico viu no meu desenho, mas algo certamente o deslocou de lugar.
Duchamp é considerado um artista ao deslocar objetos comuns para o museu.
Neil Gaiman (na minha opinião), um dos maiores contadores de estória contemporâneos, desloca o nosso olhar em A short film about John Bolton. O curta parece um documentário caseiro sobre um pintor, John Bolton, que pinta mulheres vampiras. John é um sujeito pouco simpático, retraído, contraído e sem sal que afirma que somente pinta o que vê. No entanto, suas obras são um sucesso de público e de vendas. O documentarista recebe permissão para acompanhar o processo criativo do artista. O ateliê de John Bolton é uma cripta no meio do cemitério. O pintor e o documentarista esperam a inspiração chegar, mas ela não vem. O documentarista desiste da filmagem, se despede do homem que, desde o início, não tem nenhuma pinta de artista plástico. Ao caminhar desiludido pelo cemitério, vê as vampiras chegando. Em suma, quem vê o curta, fica, até o fim, procurando ver em John Bolton o artista, quando a arte deve ser creditada a Neil Gaiman, o contador da estória.
Não me manifestei na hora, mas conto aqui o que me veio na lembrança. A primeira vez que eu ouvi alguém dizer "Isso é arte!", eu ainda era criança. A pessoa que disse isso era colega da minha mãe, outro artista plástico. Ele tinha vindo em casa, viu uma folha colorida e exclamou: Isso é arte!
O que ele segurava na mão era um desenho meu. Acho que a minha mãe ainda tem o desenho infantil, meio desbotado, mas ainda todo preenchido de cor. Não sei ao certo o que o artista plástico viu no meu desenho, mas algo certamente o deslocou de lugar.
Duchamp é considerado um artista ao deslocar objetos comuns para o museu.
Neil Gaiman (na minha opinião), um dos maiores contadores de estória contemporâneos, desloca o nosso olhar em A short film about John Bolton. O curta parece um documentário caseiro sobre um pintor, John Bolton, que pinta mulheres vampiras. John é um sujeito pouco simpático, retraído, contraído e sem sal que afirma que somente pinta o que vê. No entanto, suas obras são um sucesso de público e de vendas. O documentarista recebe permissão para acompanhar o processo criativo do artista. O ateliê de John Bolton é uma cripta no meio do cemitério. O pintor e o documentarista esperam a inspiração chegar, mas ela não vem. O documentarista desiste da filmagem, se despede do homem que, desde o início, não tem nenhuma pinta de artista plástico. Ao caminhar desiludido pelo cemitério, vê as vampiras chegando. Em suma, quem vê o curta, fica, até o fim, procurando ver em John Bolton o artista, quando a arte deve ser creditada a Neil Gaiman, o contador da estória.
terça-feira, 3 de julho de 2012
Última chance
Oficialmente a UNIR aderiu à greve nacional dos docentes federais, mas isso não significa que todos os professores tenham paralisado suas atividades docentes. Alguns professores que estão em greve (e integram o comando de greve), estão agora impedindo a entrada das pessoas no Campus. Claro que há buracos na cerca da UNIR, afinal estamos em Rondônia. Comparando as duas greves, acho estranho que essa tentativa de inibir os fura-greve não tenha acontecido na greve passada, que foi contra a corrupção na UNIR e tinha um caráter moral. Agora, o comando de greve conta com aqueles que nos perseguiram na greve anterior. Os pelegos de antes são os revolucionários que agora trancam o Campus.
Os técnicos da UNIR, últimos a aderir à greve dos docentes, anunciaram que entrarão em greve na terça (no site há nota informando que será no dia 06, sexta). De qualquer maneira, a viagem a campo da disciplina Botânica IV, ministrada pelo prof. Narcísio, não poderia acontecer no sábado, dia 07, quando os técnicos estiverem em greve; porque é preciso que um funcionário (motorista) da UNIR conduza o ônibus da universidade. A aula de campo foi agendada para segunda-feira (ontem). Com o Campus fechado pelo comando de greve, haveria duas complicações: tirar o material de coleta (sacos, tesouras, podão) e o ônibus do Campus.
Quando cheguei na Unir-Centro às 7:30, o ônibus estava lá. Feliz, mandei mensagem tranquilizadora ao Narcísio. O motorista que havia nos levado na quarta passada passou por mim, me cumprimentou, entrou no ônibus e foi-se embora. Imaginei que ele tinha ido abastecer, mas não voltou mais. Narcísio conseguiu o telefone do motorista e perguntou o que estava acontecendo. O motorista não tinha sido convocado para nos levar e estava devolvendo o ônibus ao Campus. Narcísio ligou para o superior do motorista, que deveria ter reservado o ônibus. "Sinto muito, desculpa, perdão, vou resolver." Já havia passado das 9h e estávamos cansados de ver o Narcísio tentando ligar para o motorista ou o seu superior. Desmotivado, Narcísio dispensou a turma. Descemos todos rumo ao ponto de ônibus. O telefone toca no meio do caminho. "Daqui a 15 minutos outro motorista vai levar vocês."
Mas ainda faltava buscar o material no Campus. Narcísio e eu passamos pelo buraco na cerca, pelo comando de greve e voltamos com o material de coleta. Uma das manifestantes entrou no ônibus também e seguimos em direção a Guajará-Mirim.
Na estrada que vai pro garimpo |
Unha de gato |
Buriti |
Sementinhas de uma trepadeira |
Narcísio me chamou atenção para uma obviedade: nas beiras de mata se vê exponencialmente muito mais flores que no meio da mata. Isso tem dois motivos: não vemos as flores nas copas das árvores altas; onde não há luz, não há flor.
Líquen cérebro |
Família: Melastomataceae, gênero Tibouchina |
Ninho de beija-flor, segundo algumas alunas |
Mosca do Mal |
Rubiaceae, família do café |
Liana |
Narcísio no alagado |
Pera |
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